Em abril de 2025, veio à tona uma disputa marcária envolvendo a cantora Anitta (nome artístico de Larissa de Macedo Machado) e a farmacêutica Farmoquímica S.A., em razão do pedido de registro da marca “Anitta” para produtos cosméticos por esta última. O caso, atualmente em trâmite no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), levanta discussões importantes sobre a proteção de nomes artísticos, a extensão da proteção de marcas notoriamente conhecidas e os limites da atuação de terceiros no uso de sinais distintivos associados à imagem de artistas e figuras públicas.
A Farmoquímica S.A. é titular do registro da marca “Annita” (com dois “n”), utilizado há mais de 2 (duas) décadas para identificar seu conhecido vermífugo. No entanto, em dezembro de 2022, a empresa requereu junto ao INPI o registro da marca “Anitta” (com dois “t”) para produtos cosméticos, um segmento até então não explorado pela farmacêutica em associação a este nome.
Em resposta, a cantora Anitta apresentou oposição formal ao pedido, com base no argumento de que a utilização do seu nome artístico pela farmacêutica causaria associação indevida entre os produtos e sua imagem pública, considerando sua atuação consolidada no mercado fonográfico e na área de cosméticos e moda, por meio de colaborações e licenciamentos diversos com empresas parceiras.
Sobre o tema, a Lei da Propriedade Industrial brasileira (Lei nº 9.279/96 – LPI) estabelece, como regra, que marcas idênticas ou semelhantes podem coexistir se forem destinadas a produtos ou serviços distintos e que não gerem risco de confusão no mercado (art. 124, XIX da LPI). No entanto, há exceções relevantes, especialmente quando se trata de marcas de alto renome ou notoriamente conhecidas, cujos efeitos se estendem para todas as classes de produtos e serviços, independentemente da coincidência de segmentos (arts. 125 e 126 da LPI).
No caso em análise, ainda que o documento não esteja disponível ao público, é possível que a oposição oferecida pela cantora apresente como fundamento 2 (dois) principais pilares jurídicos, sejam eles (i) direito à exclusividade sobre marca notoriamente conhecida, sob o argumento que a marca “Anitta” é amplamente reconhecida pelo público, em especial no setor de entretenimento, moda e cosméticos, o que poderia justificar proteção ampliada; e (ii) risco de associação indevida e diluição de marca, na medida em que, ainda que não se trate de concorrência direta, o uso da marca por terceiros poderia levar o consumidor a crer que há uma relação comercial ou licenciamento com a cantora, além da potencial banalização do nome artístico da cantora, em relação ao qual os advogados de Anitta pretendem garantir a exclusividade no uso em associação a produtos e serviços.
Por outro lado, a Farmoquímica S.A. defende que já utiliza a marca “Annita” há anos no setor farmacêutico e que o novo pedido para cosméticos está amparado na similaridade fonética com a marca já registrada, não havendo má-fé no uso do referido nome.
A decisão do INPI nesse caso poderá ter reflexos importantes para a proteção de marcas vinculadas a nomes artísticos e personalidades públicas. Se prevalecer o entendimento de que a notoriedade da marca “Anitta” impede registros semelhantes mesmo em classes distintas, isso pode reforçar a tendência de proteção ampliada de marcas pessoais, especialmente em mercados onde a associação à imagem do titular é fator determinante para o consumo.
Além disso, o caso chama atenção para a necessidade de estratégia proativa de proteção marcária por artistas e figuras públicas, especialmente no tocante ao registro preventivo de seus nomes em múltiplas classes, não apenas no ramo de atuação principal, mas também em setores complementares ou com potencial de expansão.
A disputa entre Anitta e a Farmoquímica S.A. ilustra um embate clássico entre o direito de exploração de sinais distintivos por empresas consolidadas e a proteção jurídica de nomes artísticos notórios. O desfecho, ainda pendente de decisão definitiva no INPI, servirá como importante precedente para casos semelhantes envolvendo o uso comercial de nomes vinculados à imagem de celebridades, além de reforçar a importância da propriedade intelectual como instrumento de defesa da identidade e valor de marca pessoal.
Artigo escrito por nossos especialistas na área – Pedro Tinoco e Victoria Francesca Buzzacaro Antongini.