A reprodução de obras literárias a partir de pastas, com cópias parciais de livros, que ficam armazenadas em copiadoras estabelecidas no interior e nos arredores dos campi de Instituições de Ensino Superior, e que são alienadas a qualquer interessado, não é permitida pelo ordenamento jurídico brasileiro.
A Constituição Federal Brasileira estabelece como garantia fundamental o direito exclusivo do autor de utilizar, publicar ou reproduzir sua obra[1]. Regulamentando esse dispositivo constitucional a Lei Federal nº 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”), atribui direitos sobre a obra intelectual ao seu autor, e estabelece limites para o uso das obras protegidas.
Referidos limites disciplinam o uso da obra intelectual independentemente de autorização do titular do direito autoral, por pressupor que a razoabilidade de tal uso não prejudica a exploração comercial da obra. Trata-se do chamado uso privado da obra.
Em lapidar artigo acerca do uso privado de obras intelectuais, Manoel J. Pereira dos Santos[2] afirma que “a exceção do uso privado assentava-se em sua origem no pressuposto de que as utilizações que são feitas no âmbito privado do usuário não são juridicamente relevantes porque não prejudicam a exploração normal da obra nem causam um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”.
Dentre os limites aos direitos autorais estabelecidos na Lei de Direitos Autorais merece destaque o disposto no inciso II, do artigo 46, que estabelece não constituir ofensa “a reprodução, em um só exemplar de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”.
Considerando ser regra a proteção ao direito de autor, qualquer limitação ao mesmo é tida como exceção, e assim deve ser interpretada. Por uma questão de hermenêutica, exceções a enunciados gerais devem ser interpretadas de forma restritiva. Assim, a exceção estabelecida no inciso II do artigo 46, da Lei de Direitos Autorais, há de ser considerada nos seus exatos termos.
Ao comentar essa limitação legal, Plínio Cabral doutrina[3] – “1) É permitida a reprodução em um só exemplar. Não é permitido copiar trechos em vários exemplares – às vezes até milhares – para atender classes inteiras, ou, ainda, para coloca-las a disposição pública em grandes quantidades. A cópia é de apenas um exemplar; 2) Essa cópia deve ser apenas de pequenos trechos. Não se pode copiar o livro inteiro, nem a metade, nem sua parte substancial…O bom senso indica que ‘pequeno trecho’ é uma parcela mínima do objeto copiado; 3) Para uso privado do copista: isto quer dizer que se trata de uma cópia para estudo ou guarda – a destinação é irrelevante – mas deve ser para uso do copista e jamais para estoque e venda; 4) A cópia deve ser feita pelo copista…Mesmo que se admita que o copista não irá, ele mesmo, manipular a máquina copiadora, este ato não poderá ser feito sob pagamento, pois a transação comercial implica em lucro, o que nos remete ao final desse item; 5) Não pode haver intuito de lucro, o que exclui qualquer prática de comércio.”
Nesse sentido, revela-se inaceitável, e totalmente ilícita, a concepção de que a limitação do inciso II, do artigo 46 da Lei de Direitos Autorais, possibilitaria o armazenamento de pastas com cópias parciais de livros para alienação a qualquer interessado, como é o caso de determinadas copiadoras localizadas no interior e nas proximidades de algumas Instituições de Ensino Superior.
Aliás, essa prática vem sendo apontada como uma das principais causas da diminuição do setor editorial brasileiro. Explica-se.
Em 1995, havia 1.760.000 alunos matriculados em Instituições de Ensino Superior, em 2003 havia 3.887.000[4]. Em 1995, existiam 894 Instituições de Ensino Superior, em 2003 existiam 1.859[5]. Diante desses números seria natural supor que o número de exemplares de livros técnico e científicos aumentaria em igual proporção.
Ao contrário de suposições naturais, o número de exemplares de livros técnico e científicos no Brasil caiu, ou melhor despencou, de 30.636.000 exemplares, em 1995, para 16.875.000 em 2004[6], uma queda superior a 44%. Quase nesse mesmo período (de 1992 a 2003) a renda média do trabalhador brasileiro cresceu 16,3%[7].
A continuar essa queda, a atividade econômica voltada para o setor de livros técnico e científicos, tornar-se-á inviável economicamente e não será mais exercida. Atento a essa trágica perspectiva o Poder Executivo Federal, em outubro de 2004[8], criou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (“CNCP”), órgão consultivo do Ministério da Justiça.
No início de 2005, o CNCP apresentou o Plano Nacional de Combate à Pirataria com 99 ações priorizadas, dentre as quais, 6 ações tratam especificamente da pirataria de livros[9]. Certamente, ao continuar a exercer as suas funções, como vem realizando, o CNCP cumprirá essas ações específicas voltadas para a redução da pirataria de livros.
Diante desses fatos apresenta-se a seguinte questão para a nossa reflexão – as copiadoras estabelecidas nos campi e nos arredores de Instituições de Ensino Superior que armazenam pastas com cópias parciais de livros, destinadas a alienação para qualquer interessado, revelam um uso razoável das obras literárias, que não prejudicaria a sua exploração? Os números acima comprovam que não.
——————————————————————————- – [1] Constituição Federal, art. 5°, XXVII.
[2] SANTOS. Manoel J. Pereira. O Futuro do Uso Privado no Direito Autoral. Revista de Direito Autoral, nº
[3] CABRAL, Plínio. A nova Lei de Direitos Autorais: comentários. 4a. ed. São Paulo:Harbra, 2003.
[4] Fonte: MEC/Senso INEP.
[5] Fonte: MEC/Senso INEP.
[6] Fonte: Câmara Brasileira do Livro.
[7] Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio.
[8] Decreto n° 5.244/2004.
[9] Ações nºs 10; 11; 36; 62; 75; e 93.
Fonte: Almeida Advogados