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Artigos 16/11/2006

Aquisição Hostil versus “Poison Pills”

Caminhando a passos modestos desde o início do Governo Collor, o mercado de fusões e aquisições, já consolidado em países como os Estados Unidos e Grã-Bretanha, teve suas portas de fato abertas no Brasil e recebeu impulso a partir da chamada efetiva “Era das Privatizações”, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, a partir da criação do Conselho Nacional de Desestatização, pela Lei nº 9.491, de 1997.

No decorrer dos oito anos de mandato de Fernando Henrique Cardoso, as privatizações atingiram a receita de US$78,61 bilhões, sendo 95% em moeda corrente, e com grande participação dos investidores estrangeiros, que contribuíram com 53% do total arrecadado. Deste total, US$ 22,23 bilhões referem-se à privatização do setor elétrico e, US$ 29,81 bilhões à do setor de telecomunicações[1].

No novo século, o Brasil começa a engatinhar em uma nova etapa do mercado de M&A, inaugurada pela Sadia, em sua recente tentativa de aquisição da Perdigão. Falamos da etapa das aquisições hostis (“hostile takeovers” ou “agressive takeovers”).

Em linhas gerais, configura-se uma aquisição hostil (ou tentativa) quando uma companhia lança oferta na tentativa de adquirir uma outra companhia independentemente do fato da administração da companhia alvo ter interesse ou não.

Fala-se que ainda engatinhamos nessa nova etapa pelo fato de o Brasil não possuir um mercado de capitais desenvolvido como se verifica no exterior. De fato, o exemplo que mais se assemelha ao americano, é o das Lojas Renner, cujo maior acionista possui 5,6% das ações, o que indica um elevado grau de pulverização de suas ações. A regra, no entanto, é a da concentração de ações, seja em um acionista, seja em bloco, como no caso da própria Perdigão, que possui um bloco de controle detentor de mais de 51% das ações da companhia, bloco este que incluí a Previ (fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil), detentora de 15% do total de ações da Perdigão[2].

Não obstante ainda incipiente, a inauguração da fase de aquisições hostis leva-nos a buscar analisar situações externas, em mercados mais desenvolvidos, como forma de entender os mais variados mecanismos e estratégias empregadas, tanto pela companhia ofertante quanto pela ofertada, na pessoa de seus administradores, em defesa perante situações de aquisição hostil.

No segundo caso, e, foco principal deste trabalho, interessa-nos aqui, em especial, o instituto das poison pills ou “pílulas envenenadas”, da qual lançam mão os administradores das companhias alvo de mercados desenvolvidos, como mecanismo de defesa contra uma oferta hostil.

Formas de Aquisição

A aquisição de companhias, uma pelas outras, pode ocorrer, conceitualmente, de duas formas: de forma amigável ou de forma hostil.

Uma aquisição amigável ocorre mediante negociação e com o consentimento da dos órgãos de administração da companhia alvo, consistindo basicamente em uma aquisição direta da companhia por outra. Na generalidade dos casos, os acionistas da companhia adquirida podem receber o pagamento pela venda de suas ações tanto integralmente em dinheiro quanto parcialmente em dinheiro, e parte em ações da compradora.

A aquisição hostil (ou tentativa), conforme dito acima, ocorre quando uma companhia lança oferta na tentativa de adquirir uma outra companhia independentemente do fato da administração da companhia alvo ter interesse ou não.

Aquisição Hostil e Poison Pills

A aquisição hostil somente tem lugar com relação a companhias abertas com substancial grau de pulverização de seu capital, por meio de ações livremente negociadas em bolsa, dado que o conceito de aquisição hostil requer, ou ainda, pressupõe a possibilidade do ofertante atravessar o conselho de administração da companhia alvo, ou seja, agir independentemente de sua influencia, e poder adquirir as ações por outros meios. Em outras palavras, a estratégia de aquisição hostil somente é considerada viável para casos de companhias alvo cujas ações de capital possuam grande liquidez no mercado.

Com o surgimento e o crescimento do número de companhias controladas por acionistas que não mais detém a propriedade de ações com direito a voto em número suficiente para lhes assegurar, em caráter perene, o poder de decisão independente em quaisquer deliberações, incluindo-se aqui a eleição de administradores, crescem as preocupações dessa nova modalidade de acionistas controladores em torno do cenário de aquisições hostis, que nem sempre podem representar o melhor interesse ou opção tanto para a sociedade quanto para seus acionistas.

Diante desse cenário, busca-se criar e implementar mecanismos de defesa que permitam à companhia defender-se de aquisições hostis. Tais mecanismos podem assumir diversas feições, seja quanto à sua natureza, com vistas a tornar a aquisição estrategicamente ineficiente ou economicamente inviável, seja quanto a seu momento de implementação, ou seja, antecipadamente, de forma a prevenir/evitar uma oferta de aquisição, ou ainda, posteriormente, em retaliação a uma oferta já efetuada. A experiência norte-americana tem mostrado que, acompanhando a lógica, as empresas têm buscado adotar mecanismos de defesa preventivos, por meio da adoção das chamadas poison pills.

A poison pill mais conhecida e disseminada é a denominada “share purchase rights plan” ou ainda, “shareholders rights plan”. Por meio do referido mecanismo, em linhas gerais, a companhia-alvo procede, sob a supervisão do Conselho de Administração, à emissão de bônus de subscrição em favor de seus acionistas, que não o ofertante-adquirente, de forma a estes garantir, na hipótese de um adquirente vir a possuir acima de um determinado patamar percentual (em geral, 10% ou 20%), o direito de adquirir um relevante número de ações, geralmente ordinárias com direito a voto, por um preço consideravelmente inferior a seu valor de mercado. Como resultado, o ofertante-adquirente sofreria imediata diluição de sua participação, o que tornaria a aquisição, em um primeiro momento, ineficiente, dado que o número de ações adquirido não lhe seria suficiente para garantir controle individual da companhia, e, em um segundo momento, economicamente inviável, considerando-se que forçaria o adquirente a proceder à compra de mais ações de emissão da companhia, para então garantir tal controle. Em outras palavras, em sendo inviável a operação, acaba-se por forçar o ofertante-adquirente a negociar os termos da aquisição com o Conselho de Administração, órgão com poderes para resgatar o shareholder rights plan.

Tal modalidade de poison pill , se não capaz de frustrar completamente uma aquisição, tem por intuito ao menos buscar forçar o ofertante a negociar com a administração da companhia, antes de dirigir-se aos acionistas, na tentativa de buscar se estabelecer melhores condições para a oferta realizada, em especial com relação a preço, quando este for substancialmente inferior ao valor real da ação. O mecanismo oferece, além da relativa segurança, agilidade nas negociações, dado que o Conselho de Administração poderia remover share purchase rights plan tão logo a oferta, pós-negociação, atinja patamares interessantes para a companhia e seus acionistas, sem a necessidade de se recorrer aos acionistas, por meio de assembléia geral.

O outro lado da moeda traz questionamentos acerca da definição do que vem a ser o melhor interesse da companhia, e se de fato, os administradores de forma legítima atuam na defesa de tal interesse. De fato, essa grande atribuição de poder ao Conselho de Administração pode vir a permitir situações em que os administradores, diante de uma oferta que atinja os interesses e/ou que seja adequada para a companhia e seus acionistas, ainda assim se recusem a resgatar o rights plan em defesa tão-somente de seus interesses pessoais, com receio de virem a perder seus cargos para um time de administradores indicados pelo adquirente.

Outro mecanismo de defesa prévia utilizado é conhecido como “golden parachute”. Por meio de tal mecanismo, as companhias firmam contratos com seus executivos prevendo a possibilidade, para o executivo, de rescindir o contrato e receber pesadas multas rescisórias em caso de troca de controle da companhia, o que viria a tornar a aquisição economicamente inviável. Por outro lado, e como outros mecanismos, o golden parachute traz a desvantagem de criar um cenário em que os administradores da companhia, motivados por seus interesses pessoais, venham a forçar e aceitar uma determinada oferta de aquisição hostil buscando tão-somente o recebimento das referidas multas rescisórias.

No esfera de atuação repressiva contra uma oferta hostil, tem-se a chamada “pac-man defense”. Basicamente, pela pac-man defense, a companhia-alvo confrontada por uma oferta de aquisição hostil responde à oferta lançando uma contra-oferta de aquisição do próprio adquirente-ofertante, seja por meio de recursos próprios, seja por meio de financiamentos captados no mercado.

No Brasil, a interpretação conjunta dos artigos 122 e 75 da Lei 6.404/76 torna claro que a instituição de poison pill como o rights plan somente pode ser instituído, e retirado, pelos próprios acionistas. De fato, o artigo 122 estabelece que compete privativamente à assembléia geral reformar o estatuto social, ao passo que o artigo 75 preceitua que a emissão de bônus de subscrição pode se dar dentro do limite de aumento de capital autorizado no estatuto. Ou seja, ainda que se outorgue ao Conselho de Administração o poder de emitir bônus de subscrição, a criação do capital autorizado depende de aprovação em assembléia de acionistas.

Nesse sentido, o mecanismo acaba por assumir outra característica, que é a de se atribuir um prêmio a ser pago pelas ações a serem adquiridas por meio de uma oferta hostil. Em reforma ao estatuto, a assembléia insere uma disposição no estatuto da companhia atribuindo a seus atuais acionistas o direito de vender suas ações a um ofertante-adquirente a um preço substancialmente elevado (normalmente 100% acima da média de preço apurada) caso o adquirente venha a deter ações de emissão da companhia em um patamar superior a determinado percentual preestabelecido.

Cabe ressaltar, tal mecanismo não é capaz de impedir a implementação da aquisição hostil, mas ao menos garante o pagamento de um melhor preço por ação aos acionistas da companhia. Ao mesmo tempo, cria-se uma situação em que o adquirente-ofertante venha a ser obrigado, caso não queira pagar o preço, a negociar com os acionistas da companhia a remoção da poison pill, os quais, nem sempre estão necessariamente habilitados para saber avaliar se a oferta é interessante, justa e/ou adequada para a sociedade e os próprios acionistas.

Tal obrigação, em tese, caberia aos administradores da companhia, os quais, diante do dever de lealdade, têm a obrigação de manter os acionistas informados sobre a companhia, para que melhor possam exercer seu direito de voto. Não há, no entanto, nenhuma legislação e/ou regulamentação instituindo e/ou disciplinando as obrigações da administração da companhia no sentido de informar e orientar seus acionistas sobre o melhor caminho a adotar diante de uma oferta hostil. Cumpre aos próprios acionistas, destarte, regulamentar, em estatuto, tal obrigação de seus administradores perante uma oferta hostil.

Comentários Finais

Ainda que a passos modestos, as mudanças na estrutura acionária das companhias brasileiras têm se apresentado nitidamente no sentido da pulverização de capital, com a redução do número de companhias sujeitas a um controle concentrado.

Tal mudança no mercado permite o ingresso de culturas estrangeiras de negócios, em especial, a das aquisições hostis. Cumpre ao sistema jurídico brasileiro adaptar-se ao novo cenário, buscando regulamentar o funcionamento de órgãos de administração das companhias e instituir regras para as operações societárias entre empresas, de forma a minimizar os impactos da transição para a nova fase.

 

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[1] Fonte: Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Privatiza%C3%A7%C3%A3o

[2] Fonte: Valor Econômico: “Bancas de advocacia se armam para a era da oferta hostil”: Josette Goulart e Felipe Frisch. 24/07/2006

Fonte: Almeida Advogados
– Eduardo Monoli

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