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Artigos 11/5/2005

As Ações Civis Públicas e sua Utilização como Busca de Alteração da Resolução Nº 456/2000 da Aneel

Assunto que provoca grande discussão no setor elétrico é a propositura de Ações Civis Públicas em face das concessionárias do serviço de fornecimento de energia. Somente na região metropolitana de São Paulo tramitam três dessas ações, nas Comarcas da Capital, São Bernardo do Campo e Barueri, essa última com efeitos também nos Municípios de Santana do Parnaíba e Pirapora do Bom Jesus, estando no pólo ativo das demandas a Procuradoria de Assistência Judiciária e o Ministério Público este em conjunto com a Ordem dos Advogados do Brasil – 117ª Subseção no que tange a ação de Barueri.

Em que pese algumas distinções entre o objeto de cada uma das ações, o ponto que merece destaque, por ser comum às três, é o questionamento quanto à legalidade do conteúdo da Resolução nº 456 de 29 de novembro de 2000 emitida pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, que regula todo o setor elétrico no país.

De início, vale ressaltar que a grande controvérsia exposta nas Ações Civis Públicas tem respaldo no procedimento adotado pela concessionária, procedimento esse reputado como abusivo, ilegal e unilateral. Questiona-se a atuação dos técnicos da distribuidora ao suspender o fornecimento de energia assim que constatada a irregularidade nas instalações elétricas do usuário, conduta essa expressamente prevista pelo art. 90 da mencionada Resolução.

Outro ponto trazido à baila é a legalidade dos cálculos efetuados pela concessionária, especialmente no que se refere aos critérios para a aferição do saldo devedor, insertos nas alíneas “a” (índice técnico); “b” (degrau de consumo); e “c” (levantamento de carga), do art. 72, inciso IV da Resolução. Aduz-se que os métodos seriam baseados em mera estimativa de consumo, não se justificando a cobrança como realizada pela empresa.

Ainda, merece destaque a questão da realização de perícia no equipamento vistoriado e inapto ao correto registro do consumo, uma vez que os usuários mencionam ser dever da concessionária a promoção do exame pela própria distribuidora de serviço.

Examinando-se tais pontos mais combatidos nas ações civis públicas (ressaltando-se, os pedidos comuns entre elas), verifica-se que de fato, o que pretendem os Autores nada mais é que a alteração do conteúdo da Resolução nº 456/2000 da ANEEL, o que acarreta, necessariamente, a formação de litisconsórcio passivo entre a concessionária e a própria ANEEL e a UNIÃO.

Sabido é que até a aprovação da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessões), os serviços públicos eram prestados diretamente pelo Estado, sendo que nessa época já era patente a necessidade de melhoria no que toca à qualidade e expansão do serviço fornecido. Dessa forma, a Lei de Concessões foi elaborada com notório caráter programático, estipulando metas que deveriam ser observadas pelos entes a serem delegados. Assim, após quatro meses de vigência da Lei nº 8.987/95, entrou em vigor a Lei nº 9.074/95, que regulamentou a legislação anterior no que diz respeito ao setor elétrico, permitindo assim o ingresso de recursos da iniciativa privada nessa área. Somente em 26 de dezembro de 1996 foi criada a Agência Reguladora ANEEL, cuja função é zelar pela observância de altos padrões de qualidade no fornecimento do bem, além de preservar os direitos dos usuários do serviço.

Todas essas leis têm âmbito de aplicabilidade federal, de forma que se o objeto das Ações Civis é a alteração do contido na Resolução nº 456/2000, que estabelece as condições gerais de fornecimento de energia elétrica, é patente a inclusão da pessoa política da UNIÃO, na medida em que realizou a outorga de titularidade da execução do serviço à concessionária.

Vale ressaltar que a distribuidora de energia não tem qualquer discricionariedade quanto à aplicação da indigitada Resolução, estando inclusive sujeita à responsabilização caso não venha a cumpri-la, conforme determinado em seu art. 1º[1]. Dessa forma, cediço que o provimento requerido pelos Autores é juridicamente impossível, visto que não há que se permitir que o Judiciário atue como legislador, prerrogativa esta exclusiva do Legislativo (art. 48 da Constituição Federal).

Dessa forma, os pontos aventados e combatidos pelos Autores como ilegais são de observância obrigatória pela concessionária.

O principal deles, qual seja, a previsão de suspensão do fornecimento, além de estar previsto pela Resolução nº 456/2000, consta também da própria Lei de Concessões (art. 6º)[2]. E é inconteste a necessidade de sua aplicação e sua plena vigência, tendo em vista que ao se permitir que usuários inadimplentes continuem a valer-se do serviço como se adimplentes fossem, o prejuízo atinge toda a coletividade.

No que toca à legalidade dos cálculos elaborados pela concessionária, vale ressaltar que não se trata de “estimativas aleatórias”, mas de critérios objetivos elaborados para a recuperação do consumo não pago, sendo que a escolha de cada uma das alíneas não é feita por livre opção, mas de acordo com cada tipo de irregularidade e características do consumo do imóvel vistoriado.

Por fim, observe-se que não tem mais vigência o dispositivo que determinava à concessionária promover a perícia do aparelho de ofício. Atualmente, cabe ao usuário expressamente requerer o exame de seu equipamento assim que constatada a fraude, exatamente conforme dispõe o art. 72, II, da Resolução.[3] Não tem a concessionária, portanto, qualquer dever em realizar o exame se não solicitada pelo usuário, dado o teor da Resolução nº 90/2001, que modificou o dispositivo contido na antiga Portaria nº 466/1997 do DNAAE (Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica), expressamente revogada pelo art. 125 da atual Resolução.

Assim sendo, a concessionária, quando acionada pelo usuário, pode promover a perícia, por exemplo, através do Instituto de Criminalística da Polícia Civil, estabelecimento público devidamente habilitado para apuração deste tipo de fraude caracterizadora de crime de furto de energia, tipificado no Código Penal.

Outro órgão a que se pode recorrer é o IPEM – Instituto de Pesos e Medidas, que também está capacitado para exame do relógio medidor.

Sendo assim, em sendo a concessionária uma prestadora de serviços públicos, está sujeita à fiscalização da Agência Reguladora bem como as normas por tal ente emanadas e, mais ainda, ao cumprimento dos requisitos da Lei de Concessões. Dessa feita, e se o objetivo das ações é a modificação do conteúdo na Resolução nº 456/2000, por óbvio que a inclusão da ANEEL, que tem personalidade jurídica própria, e da UNIÃO no pólo passivo das ações é de rigor, na medida em que a concessionária nada mais faz senão colocar em prática o que lhe é determinado.

——————————————————————————- – [1] Art. 1º, caput, da Resolução nº 456/2000 da ANEEL: Estabelecer, na forma que se segue, as disposições atualizadas e consolidadas relativas às condições gerais de fornecimento de energia elétrica a serem observadas tanto pelas concessionárias e permissionárias quanto pelos consumidores.”

[2] Art. 6º da Lei nº 8.987/95. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

§ 3°. Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:

(…) II – por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.

[3] Art. 72 da Resolução nº 456/2000 da ANEEL. Constatada a ocorrência de qualquer procedimento irregular cuja responsabilidade não lhe seja atribuível e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, ou no caso de não ter havido qualquer faturamento, a concessionária adotará as seguintes providências:

II – promover a perícia técnica, a ser realizada por terceiro legalmente habilitado, quando requerida pelo consumidor.”

Andréa Seco

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