Não é novidade para ninguém que a atividade de cruzeiros marítimo no Brasil vai de vento em popa, fazendo com que esse ramo do entretenimento turístico venha se desenvolvendo enormemente ao longos dos anos. Além do transporte de passageiros, tantas outras relações comerciais instauram-se dentro dos navios de cruzeiro, além da venda dos mais diversos produtos nos bares e lojas on board, o que demonstra que a atividade em questão é bem mais complexa do que se pode imaginar inicialmente e que vem chamando a atenção do Fisco. Na Newsletter elaborada pelo Almeida Advogados, são abordados, de forma clara e objetiva, os principais aspectos tributários inerentes a essa atividade, apontando o cenário legislativo aplicável, bem como as lacunas que ainda devem ser supridas.
Não é de hoje que existem empresas que exploram a atividade de navegação de cabotagem (também conhecida como atividade de cruzeiros marítimos) na costa brasileira. Embora os relatos sejam os mais diveros, o que se verifica é que, historicamente, há notícias de que os primeiros cruzeiros que circularam no país datariam dos longínquos anos 20, sendo que a atividade em questão teria começado a ganhar corpo apenas nos anos 60.
No final dos anos 90, com a expressa previsão constitucional de permissão à exploração desta atividade por empresas estrangeiras1, com a inauguração do terminal marítimo de passageiros no Porto de Santos e com um cenário econômico favorável que se instaurava no país, criou-se, definitivamente, espaço para o desenvolvimento desse mercado no Brasil.
Obviamente, o clima agradável, as belas paisagens litorâneas, a não coincidência do período de Verão com a Europa e Estados Unidos, aliados ao aumento do poder aquisitivo do brasileiro nas últimas duas décadas, tornaram nosso país um importante mercado-alvo para as empresas que exploram essa modalidade de negócio, o que faz com que, entre novembro a março, importantes embarcações visitem a costa brasileira.
Se não é segredo para ninguém que os grandes players internacionais dessa atividade veem no Brasil uma importante oportunidade de negócios, o que poucos sabem é que grande parte da receita dessas empresas não advém diretamente da venda de cabines propriamente dita, mas sim da venda de bens e serviços a bordo.
Assim, além do transporte de passageiros propriamente dito, tantas outras relações comerciais instauram-se dentro dos navios de cruzeiro, como a prestação dos mais variados serviços (spa, massagens, academia, etc.) e venda dos mais diversos produtos nos bares e lojas on board, o que demonstra que a atividade em questão é bem mais complexa do que se pode imaginar inicialmente..
Atento a esse contexto, o fisco brasileiro, enxergando nessa atividade uma potencial fonte de recursos, não se manteve alheio a essa realidade e tratou a voltar seus olhos às empresas que a cada temporada exploram tal serviço, produzindo legislação específica a respeito do tema, com vistas a regular o tratamento tributário desse micro-universo que é um navio de cruzeiro.
No âmbito federal, até 1998, ressentia o ordenamento brasileiro de norma que regulamentasse, de forma específica, a tributação da atividade de cabotagem turística na costa brasileira. Nesse ano, foi publicada instrução normativa por parte da Secretaria da Receita Federal que, em linhas gerais, regulamenta a tributação não só do resultado operacional das empresas que exploram essa atividade, mas também da tributação incidente sobre a importação dos produtos que serão revendidos a bordo enquanto estiverem os navios em território nacional.
Com a edição da Instrução Normativa n. 137 de 1998 instaurou-se o regime de tributação aplicável atualmente às empresas que exploram a cabotagem turística no país. Por esse diploma infralegal, tem-se que os navios propriamente ditos, bem como as mercadorias que já se encontram a bordo quando do ingresso no país, serão objeto de regime aduaneiro especial, chamado de admissão temporária, pelo qual, inicialmente, todos os tributos federais incidentes na importação encontram-se suspensos até o momento da saída definitiva do navio do território nacional naquela temporada.
Assim, muito embora o próprio navio, bem como as mercadorias já existentes a bordo, juridicamente, sejam importadas ainda que de forma temporária, sobre essa operação não há, num primeiro momento, a sujeição a nenhum tributo alfandegário.
Primeiramente, dispõe a regra fiscal que o armador estrangeiro deverá constituir representante legal no país que será responsável, na condição de mandatário, a I – promover a importação de mercadorias estrangeiras; II – requerer a concessão de regimes aduaneiros especiais; III – proceder ao despacho para consumo das mercadorias estrangeiras comercializadas a bordo do navio; IV – promover a aquisição de mercadorias nacionais para abastecimento do navio; e, V – na qualidade de responsável tributário, calcular e pagar os impostos e contribuições federais devidos, decorrentes das atividades desenvolvidas a bordo do navio ou a ele relacionadas, no período em que permanecer em operação de cabotagem em águas brasileiras.
Ainda de acordo com a IN em questão, no momento do ingresso da embarcação no país, o comandante do navio entregará à autoridade aduaneira, em três vias, um registro de inventário de todas as mercadorias a bordo destinadas à comercialização, além da Declaração Simplificada de Importação.
Para fins de controle, o comandante do navio manterá, ainda, registro do estoque diário de mercadorias estrangeiras a bordo, que possa identificar o movimento ocorrido no peíodo (saldo inicial, entradas, saídas e saldo final).
Em caso de ressuprimento do navio durante o período em que se encontrar em águas brasileiras, duas possibilidades podem ocorrer: (i) em caso de mercadoria de origem estrangeira, a mesma será transferida do porto de entrada ao navio sob o regime de trânsito aduaneiro, aplicando-lhe a suspensão de tributos aduaneiros tal como se tais mercadorias tivessem adentrado no país juntamente com o navio; e (ii) em caso de mercadoria de origem nacional, o embarque será acompanhado apenas e tão somente da nota fiscal de venda, sendo que nesse caso, a venda a navio operante na costa brasileira não se equipara a uma operação de exportação, não sendo aplicável, portanto, a imunidade tributária inerente às exportações para o fornecedor nacional dessas mercadorias, inclusive, no tocante ao ICMS.
A saída definitiva naquela temporada da embarcação fica condicionada à apresentação de relatório atualizado das mercadorias existentes a bordo, com a indicação dos bens que foram consumidos e comercializados no peíodo, bem como dos DARFs de pagamento de todos os tributos aplicáveis a essa atividade.
Nesse sentido, lembramos que, para as mercadorias importadas que sejam comercializadas no navio durante a temporada deve-se recolher os tributos incidentes sobre a importação, ou seja, o Imposto de Importação (II), o Imposto Sobre Produtos Industrializadosa (IPI), bem como o PIS/COFINS-Importação.
Contudo, importante destacar, que as mercadorias destinadas ao uso e consumo da tripulação e dos passageiros na embarcação estrangeira e não à comercialização a bordo não estão suscetíveis à tributação incidente sobre a importação, entendimento este, inclusive, com eco na jurisprudência administrativa que vem se formando ao redor do tema.
Daí a importância de realizar-se no registro de inventário uma descrição extremamente minuciosa acerca de quais mercadorias são destinadas ao consumo dos passageiros e tripulantes e quais são destinados à comercialização dentro do navio.
Vale mencionar, ainda e fugindo-se um pouco da esfera federal, que, no âmbito estadual, no momento, não é exigido o pagamento do ICMS-Importação, muito embora haja rumores de que alguns fiscos estaduais estariam se mobilizando com vistas a instituir essa modalidade de tributação.
Além dos tributos incidentes na importação das mercadorias que serão comercializadas on board, a regra fiscal determina que o resultado operacional dessas empresas estrangeiras seja tributado no país pelo PIS/COFINS e pelo IRPJ e CSLL.
Nesse sentido, em relação ao IRPJ e CSLL, aplica-se a modalidade do lucro presumido, justamente pelo fato dessas embarcações não possuirem escrituração contábil que permita a apuração pelo Lucro Real.
Assim, aplicando-se os percentuais de 9,6% (venda de mercadorias) e 38,4% (prestação de serviços) para o IRPJ e 14,4% (venda de mercadorias) e 38,4% (prestação de serviços) para a CSLL sobre a receita auferida pelas embarcações, chega-se à sua lucratividade presumida, alcançando-se o quantum devido pelos navios a título desses dois tributos.
Por fim, sobre a receita bruta operacional, aplica-se, ainda, o percentual de 3,65% para o cálculo do PIS/COFINS devido.
Embora a regra fiscal seja clara ao determinar a sujeição do resultado operacional das embarcações à incidência do PIS/COFINS, IRPJ e CSLL, tal incidência, a nosso ver, mostra-se questionável, eis que o fato de explorar atividade de cabotagem turística no país não confere à embarcação o status de residente fiscal para fins de tributação, sendo certo que o representante legal exigido pela legislação atua tão somente como mandatário da empresa internacional de transporte marítimo.
Diante disto, vemos com bons olhos a discussão acerca da não incidência do IRPJ, CSLL e PIS/COFINS sobre a atividade em questão.
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O Almeida Advogados conta com uma Equipe especializada em Direito Tributário, e coloca-se desde já à disposição para quaisquer maiores esclarecimentos.
1 A Emenda Constitucional n. 07/95, alterou o texto do artigo 178 da CF, que passou a vigorar com a seguinte dicção:
“Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade.
Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.” (g.n.)
Para muitos, foi essa alteração legislativa que legitimou a exploração desta atividade por empresas não nacionais.
Equipe Almeida Advogados