O URBANISMO
I. 1 – Introdução e conceito
1. A partir do momento em que os indivíduos começaram a organizar-se em grupos com o fim de habitar regiões e nas mesmas desenvolver-se social e economicamente, a necessidade da criação de diretrizes para que essa ocupação se desse de maneira ordenada e racional tornou-se inevitável.
2. O Estado ao tomar para si a função de gerir e zelar pela garantia do bem comum sobrepondo-se aos interesses de minorias em benefício da coletividade passou a estabelecer, de maneira gradativa, normas de controle a serem adotadas nas áreas habitadas de modo a evitar conflitos, bem como para propiciar seu adequado desenvolvimento. Referida atividade estatal recebeu a denominação de Urbanismo.
3. No magistério de Hely Lopes Meirelles urbanismo é o “o conjunto de medidas estatais destinadas a organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade. Entendam-se por espaços habitáveis todas as áreas em que o homem exerce coletivamente qualquer das quatro
funções sociais: habitação, trabalho, circulação, recreação.” [1]
II – A POLÍTICA URBANA NO PLANO LEGAL
II. 1 – Previsão constitucional
1. O legislador constituinte seguindo a esteira do direito alienígena incluiu no texto da Carta Constitucional de 1988, capítulo específico sobre a política urbana atribuindo aos municípios a competência para sua execução e à União, a competência para a edição de diretrizes gerais sobre a matéria conforme previsão expressa contida no inciso I e parágrafo 1º de seu artigo 24.
2. Nesse sentido, o artigo 182 da Constituição Federal disciplina expressamente que:
“Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”. (negritamos)
3. Dentre os vários projetos de lei propostos com o fito de regulamentar o artigo em testilha, sagrou-se aprovado o Projeto de Lei nº 5.788/90, da lavra do senador Pompeu de Souza que deu origem à Lei Federal nº. 10.257/01, denominada de Estatuto da Cidade.
4. O Estatuto da Cidade, no parágrafo único de seu artigo 1º, estabelece normas de ordem pública e de interesse social, regulando o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e, ainda, objetivando o equilíbrio ambiental.
5. No tocante ao planejamento municipal o Estatuto prevê instrumentos para a implementação da política urbana, tais como: o plano diretor; parcelamento, uso e ocupação do solo; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU); contribuição de melhoria, dentre outros.
II. 2 – O plano diretor como instrumento de regularização urbana
1. A Constituição Federal, ainda no capítulo dedicado à política urbana, determina também que “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”. [2]
2. De outro lado, o inciso VIII do artigo 30 do mesmo diploma legal ao delimitar a competência dos municípios estabelece que:
“Art. 30. Compete aos Municípios:
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;”
3. Percebe-se, portanto, a importância conferida pela Carta Magna ao planejamento urbano como forma de possibilitar o adequado crescimento das cidades, ou ainda, a readequação urbanística no tocante as atividades comerciais nelas desempenhadas.
4. Nesse sentido, o doutrinador Hely Lopes Meirelles adverte que “Toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação. Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também áreas de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros núcleos urbanos que tendem a se formar em sua periferia”. [3]
5. O Município de São Paulo em atenção ao comando constitucional instituiu o Plano Diretor Estratégico (Lei nº. 13.430/02) definindo-o como instrumento global e estratégico da política de desenvolvimento urbano, determinante para todos os agentes públicos e privados que atuam no Município (art. 2º).
6. Ou seja, o plano diretor é o instrumento no qual estão consignadas diretrizes que têm por escopo nortear os futuros empreendimentos a serem realizados pelo poder executivo municipal considerando as características dos bairros, as necessidades de seus moradores, a localização da área ao qual se sujeitará uma determinada operação urbana, dentre outras.
7. Cabe esclarecer ainda, que de acordo com o Estatuto da Cidade, as cidades com mais de 20 (vinte) mil habitantes deverão implementar, no período de 5 (cinco) anos, o plano diretor sob pena da responsabilização do chefe do Poder Executivo por improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.249/92.
II. 3 – O ordenamento urbano e normas legais correlatas
1. Na arguta observação de Hely Lopes Meirelles “o avassalador fenômeno da urbanização e o desmedido crescimento das cidades vêm exigindo mais e maiores imposições edilícias em benefício da coletividade urbanizada, o que sobrecarrega o Município com encargos imprevistos e despesas extraordinárias para atender a áreas imensas tornadas urbanas repentinamente, sem o equipamento mínimo indispensável às necessidades dessas novas concentrações populacionais”. [4]
2. Sob esse aspecto, o que se observou principalmente nas últimas décadas, foi uma migração de indivíduos dos estados mais pobres para os mais desenvolvidos em busca de oportunidades que lhes trouxessem melhoria de vida, impelidos por fatores dos mais diversos que os impediam de fixar-se em sua região de origem e nela criar raízes.
3. Daí o entendimento de Figueiredo Ferraz para o qual “As massas migratórias não fluem apenas para as cidades receptoras, mas tomam-nas como se as assaltassem, e, qual manchas imensas, cercam-nas por completo, numa ocupação territorial convulsionada, configurando um cinturão da miséria”.[5]
4. De se salientar que não obstante a miséria, casos há em que tais massas de indivíduos acabam por invadir áreas de preservação ambiental (APAs) ou ainda de mananciais, tornando-se, assim, os principais responsáveis pelas alterações e desequilíbrios no meio ambiente da região escolhida como local de habitação.
5. Portanto, pode-se concluir que o adequado ordenamento urbano traduzido na edição de normas de regulamentação edilícia, delimitações de zona urbana, traçado urbano, uso e ocupação do solo urbano, zoneamento, loteamento, controle das construções e estética urbana, certamente é um dos fatores que mais contribuem para o crescimento adequado e racional de um município.
6. Daí, por exemplo, a importância da delimitação do traçado urbano a permitir que a municipalidade, no exercício de sua competência impositiva, possa arrecadar, na zona urbana, o imposto predial e territorial urbano – IPTU, que, via de regra, é revertido na adoção de medidas em benefício do município e como conseqüência, também dos munícipes.
7. Referido tributo ainda pode ser usado como fator de indução do correto uso da propriedade em prol do ordenamento urbano, na medida em que É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena sucessivamente, da instituição de imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo[6].
8. Portanto, conclui-se que o adequado ordenamento urbano é de fundamental importância no desenvolvimento de um município, fator esse que acarreta, em contrapartida, a equivalente melhoria de vida dos que nele habitam ou desenvolvem suas atividades.
III – URBANISMO E PROTEÇÃO AMBIENTAL
1. A atual Constituição Federal também conferiu tratamento especial à questão ambiental, disciplinando em seu artigo 225 que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.[7]
2. Aos municípios, em virtude da previsão contida no inciso II do artigo 30, cabe a proteção do meio ambiente e o combate à poluição por meio de adequado ordenamento urbano de modo a reduzir eventuais resultados danosos decorrentes da ação predatória do ser humano.
3. Nesse sentido, já advertiu Hely Lopes Meirelles que “Essa ação destruidora da Natureza é universal e milenar, mas se agravou a partir do século passado em razão do desmedido crescimento das populações e do avanço científico e tecnológico, que propiciou à Humanidade a mais completa dominação da terra, das águas e do espaço aéreo”. [8]
4. O mais importante diploma legal regulador da proteção ao meio ambiente é a Lei nº 6.938, de 31.8.1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e criou o Sistema Nacional de Preservação e Controle (SISNAMA). Considerando que a proteção ambiental é responsabilidade do Poder Público em seus três níveis de governo, aos municípios caberá a preservação do meio ambiente quanto a assuntos de interesse local.
5. A proteção ao meio ambiente, por sua importância, desperta o interesse de pesquisadores e cientistas que focam seus trabalhos na busca de soluções que permitam, num futuro não muito distante, a sobrevivência dos seres humanos no planeta Terra.
6. O cientista britânico James Lovelock adverte que por volta do ano 2.040 o aquecimento global chegará a níveis insuportáveis. Menciona ainda que “Até o fim do século, é provável que cerca de 80% da população humana desapareça. Os 20% restantes vão viver no Ártico e em alguns poucos oásis em outros continentes, onde as temperaturas forem mais baixas e houver um pouco de chuva”, salientando também que “A maioria das regiões tropicais, incluindo praticamente todo o território brasileiro, será demasiadamente quente e seca para ser habitada”. [9]
7. O legislador pátrio sensível a essa questão aprovou a Lei nº 7.347, de 24.7.1985 que institui a ação civil pública para a proteção ambiental conferindo legitimação precípua ao Ministério Público para propô-la, além de outras entidades indicadas em seu artigo 5º. Já a Lei nº 9.605, de 12.2.1998, igualmente de fundamental importância, dispõe sobre as sanções penais e administrativas decorrentes de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
8. As citadas leis traduzem-se em importante instrumento de controle e repressão a serem utilizadas não só como instrumento de prevenção às atividades lesivas ao meio ambiente, bem como nos casos em que a ausência ou deficiência do planejamento urbano acabou por acarretar sua degradação, como instrumento para busca da reparação civil e penal dos responsáveis.
9. Portanto, pode-se concluir que a atuação dos municípios é de fundamental importância no controle do crescimento urbano e suas implicações em relação ao meio ambiente existente na área pelo mesmo abrangida. Sabe-se, no entanto, que o êxito nessa questão somente poderá ser alcançado através de uma adequada política de ordenamento urbano.
IV – CONCLUSÃO
1. Diante do exposto conclui-se que passos significativos foram dados no tocante à questão urbanística, uma vez que a grande maioria dos municípios brasileiros passou a atentar para a importância do adequado ordenamento urbano em razão de fatores vários, tais como crescimento populacional, elevada concentração de habitantes nas áreas urbanas, maneiras de ocupação com as naturais conseqüências delas advindas.
2. Sabe-se, contudo, que não obstante os louváveis esforços dos Poderes Públicos Federal, Estadual e Municipal, no tocante às questões relacionadas com o ordenamento urbano e à proteção ambiental, o Brasil ainda ocupa tímida posição em comparação aos países desenvolvidos.
3. Portanto, e em que pesem as atitudes positivas que vêm sendo tomadas, maiores esforços deverão ser empregados no trato atualmente conferido ao urbanismo e ao meio ambiente a fim de que a inevitável presença dos seres humanos no planeta terra não gere a degradação ambiental desencadeadora das diversas catástrofes noticiadas constantemente nos meios de comunicação.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, pág. 491.
[2] CF, art. 182, § 1º
[3] Idem, ibidem, pág. 518.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, pág. 523.
[5] FIGUEIREDO FERRAZ, José Carlos de. Perspectivas Urbanas na América Latina. Conferência Latino-Americana sobre Desenvolvimento Urbano, Bogotá, 1975.
[6] CF, art. 182, § 4º, II.
[7] CF, art. 225.
[8] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva. 2003, pág. 547.
[9] LOVELOCK, James. A vingança de Gaia. Revisa Veja, Edição nº. 1979, ano 39, nº. 42, de 25 de outubro de 2006, Editora Abril
Fonte: Almeida Advogados
– Cassio Augusto Ambrogi