Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (Lei n° 8.078/90), parte da doutrina e jurisprudência pátria considera que o mesmo deverá prevalecer na regulamentação das relações jurídicas advindas do transporte aéreo, nacional ou internacional.
Em que pese os entendimentos contrários, a Convenção de Varsóvia, ratificada pelo Protocolo de Haia, da qual o Brasil é signatário, e o Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n° 7.565/86) são diplomas legais específicos que regulam, respectivamente, o transporte aéreo internacional e nacional, de passageiros, bagagens e mercadorias. Caracterizam-se, portanto, como leis especiais que devem prevalecer sobre normas de caráter geral, no caso, o Código de Defesa do Consumidor.
A Aplicação da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica
Característica comum da Convenção de Varsóvia e do Código Brasileiro de Aeronáutica é o estabelecimento de um sistema de indenização tarifada para o ressarcimento de eventuais prejuízos que decorrem da prática do transporte aéreo de passageiros, bagagens e mercadorias.
Daí por que, ante a especificidade dos mesmos no tratamento dado à matéria, a tese da aplicação do Código de Defesa do Consumidor como diploma apto a regular a responsabilidade civil decorrente do transporte aéreo de passageiros, bagagens e mercadorias é frágil, em que pese opiniões em sentido contrário.
A ratificar esta assertiva, a própria Constituição Federal estabelece expressamente que os direitos e garantias nela expressamente previstos não excluem os constantes de tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. [1]
A Carta Magna ainda estabelece que a lei que dispuser sobre a ordenação do transporte aéreo deverá no que toca à modalidade internacional, observar os acordos firmados pela União, em atenção ao princípio da reciprocidade. [2]
Finalmente, a doutrina brasileira ainda alerta para o fato de que o próprio Código de Defesa do Consumidor determina a observância dos tratados internacionais. Nesse sentido, dispõe expressamente em seu artigo 7º que os direitos nele previstos não excluirão outros decorrentes de tratados e convenções internacionais de que o Brasil seja signatário. [3]
A inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em razão do que dispõe a Lei de Introdução ao Código Civil
A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-lei n° 4.657/42) disciplina no parágrafo 2° de seu artigo 2° que “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.
É, portanto, ponto pacífico que a Convenção de Varsóvia, o Protocolo de Haia e o Código Brasileiro de Aeronáutica contemplam regras que se destinam a reger especificamente o transporte aéreo. Daí por que inadmissível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, dado seu caráter de lei geral.
Uma parcela considerável da doutrina brasileira assevera que ainda que se considerasse o Código de Defesa do Consumidor uma norma especial, as normas de direito aeronáutico seriam, naturalmente, ainda mais especiais se comparadas às deste, para daí concluir que em se tratando de duas normas especiais, a norma mais específica, a que rege o transporte aéreo, não poderia ser revogada por lei posterior ainda que também específica, na hipótese, o Estatuto Consumerista. [4]
Ou seja, por mais que se procure justificar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor no julgamento de questões envolvendo o transporte aéreo, internacional ou nacional, fato é que ante seu caráter geral, não poderá prevalecer sobre os diplomas legais específicos que regulamentam a responsabilidade civil que decorre do exercício de tal atividade.
Conclusão
Como demonstrado, a simples análise do que dispõem a Lei de Introdução ao Código Civil, a Constituição Federal e até mesmo o Código de Defesa do Consumidor pode-se concluir que no que toca ao transporte aéreo, a Convenção de Varsóvia, alterada pelo Protocolo e Haia, e o Código Brasileiro de Aeronáutica devem prevalecer sobre o Estatuto Consumerista.
Contudo, ainda que a prevalência desses diplomas não desafie quaisquer dúvidas, a adoção de medidas preventivas que reduzam ao máximo a possibilidade de intercorrências envolvendo, principalmente, passageiro e bagagem é de fundamental importância no âmbito das companhias aéreas de modo a, ao menos, minimizar o alto risco que envolve a exploração desta importante atividade comercial.
——————————————————————————– [1] CF, art. 5º, § 2°.
[2] CF, art. 178.
[3] ASSIS DE ALMEIDA, José Gabriel. A legislação aplicável ao transporte aéreo internacional. Revista Brasileira de Direito Espacial (RBDA). Rio de Janeiro, n° 75, p. 33-40, nov. 1998.
[4] idem.
Fonte: Almeida Advogados