Apesar de reconhecerem o posicionamento brasileiro nos últimos anos, voltado à liberalização das relações comerciais, entendem os EUA, afigurados pelo Representante de Comércio da Casa Branca (USTR), haver ainda a prevalência de elevadas tarifas de importação, sobretudo em relação a produtos de alta tecnologia, bem como aqueles relacionados à indústria automobilística. Em recente relatório apresentado recentemente pela USTR, analisando o intercâmbio comercial com 55 países, reprova-se com igual veemência o combate à pirataria no Brasil, em virtude dos inúmeros prejuízos causados por essa prática ilícita às indústrias norte-americanas de desenvolvimento de software, dentre outras.
Afirma-se que embora a legislação brasileira de proteção à propriedade intelectual seja um diploma legal rígido e bem acabado, não alcança o fim a que se propôs cumprir, dada a ineficiência das autoridades brasileiras para fazer valer as disposições nele previstas, seja porque os governos federal e estaduais não estariam municiando as autoridades policiais adequadamente, seja pela cobrança de multas traduzindo um valor inexpressivo para deter a pirataria.
As autoridades norte-americanas se reportam a dados fornecidos pela IIPA (International Intellectual Property Alliance), de acordo com os quais o Brasil seria o segundo maior mercado mundial de produtos pirateados. O resultado em perdas, para os detentores desses direitos, alcançaram a ordem de US$ 956 milhões em 2000, prejuízo superado apenas pelo experimentado na China, estimado em US$ 978,7 milhões com a falsificação de produtos industriais
Assim, alegando respaldo no dispositivo Super 301, seção da lei comercial dos EUA que permite punição à práticas desleais no comércio internacional, o governo norte-americano ameaça impor sanções mais severas ao Brasil, caso medidas de maior rigor não sejam implementadas no combate à pirataria. Sob o fundamento de que os delitos de pirataria estariam aumentando de forma significativa no território brasileiro, prejudicando não apenas os titulares de direitos autorais, mas também todos os setores de desenvolvimento e comercialização de obras intelectuais, o governo norte-americano incluiu o Brasil em sua lista de observação (“Watch List”). Desse modo, em caso de reincidência de comportamento omisso face a pirataria (dentre outras condutas), o Brasil poderá ser alvo das sanções previstas pela Super 301, que implicaria em aumento de tarifas de importação de produtos brasileiros nos Estados Unidos.
Em verdade, a ineficiência do Estado brasileiro no combate a pirataria não traduz-se apenas na desarticulação de sua força policial, mas na própria inexistência de um efetivo plano público de combate à pirataria. Periodicamente, são realizadas apreensões policiais, mas falta inteligência estatal a esse trabalho. O resultado é um índice de apreensão muito aquém do necessário para neutralizar o crescimento da pirataria de software no Brasil. O Poder Judiciário também tem colaborado para a disseminação da pirataria no País, dada a sua lentidão e brandura para julgar processos relativos à violação de direitos autorais. Muitos desses processos perduram há mais de dez anos sem que tenham sido objeto de julgamento até o momento. Prova disso, aponta o referido documento, é a abertura, no ano passado, de vários processos por violação de direitos autorais, dos quais decorreram, entretanto, pouquíssimas condenações.
Um levantamento realizado conjuntamente pela Associação Brasileira da Empresas de Software (ABES) e pela BSA (Business Software Alliance) indica substancial aumento nas ações legais antipirataria no ano de 2001 em relação a 2000. O número saltou de 312 para 418, representando acréscimo de 38%. O número de condenações, por outro lado, não acompanhou tal crescimento.
Igualmente apático tem-se mostrado o Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, órgão criado através do Decreto Federal de 13 de Março de 2001, sancionado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem como sua principal atribuição o estudo de medidas para racionalizar o combate à violação de direito autoral. Tal entidade, entretanto, muito pouco tem contribuído para dar consecução às metas que lhe deram vida. O Comitê Interministerial já existe há um ano; a primeira reunião de seus representantes com o setor privado, porém, foi realizada há apenas algumas semanas.
O cenário de total desrespeito à propriedade intelectual no País, que vem prejudicando as relações comerciais do Brasil com outros países, especialmente com os Estados Unidos, exige não só que o Comitê discuta medidas severas para reprimir a pirataria, mas também, e principalmente, que seu plano de ação seja de fato operacionalizado com a maior urgência possível.
Como reflexo de tantas variantes favoráveis à pirataria, especificamente com o setor de desenvolvimento de software, a indústria atuante no Brasil perde anualmente o equivalente a US$ 300 milhões em lucros, conforme pesquisa conduzida pela BSA.
Além da perda flagrante de capital decorrente da preferência por um produto pirata, prejuízos indiretos somam-se a essa prática, tais como a rápida saturação do mercado com reproduções não autorizadas, a diminuição na arrecadação de capital referente a direitos autorais e a perda da arrecadação tributária, posto que o Estado deixa de auferir renda com um produto vendido em paralelo à sua circunscrição. Acabam por sobrevir de tais perdas o enfraquecimento dos investimentos em novas tecnologias para programas de computador, assim como o desaquecimento da economia relacionada a produtos eletrônicos. Tal desaquecimento, a médio prazo, concorreria inclusive para a elevação do índice de desemprego no setor.
Soma-se a isso a constatação, hoje irrefutável, de ligação direta entre o crime organizado e a pirataria, na medida em que os rendimentos obtidos com a comercialização de materiais pirateados estariam financiando práticas de organizações criminosas.
Há que se reconhecer a veracidade das reclamações norte-americanas referentes à contrafação de software no Brasil. Atualmente, o índice de software reproduzidos irregularmente no país é de 58%; há mais software irregulares do que originais em circulação neste momento. Segundo a BSA, se o índice de pirataria no Brasil pudesse ser reduzido a 25%, as arrecadações tributárias sobre a venda de software licenciado saltariam de R$ 1.55 bilhão para R$ 3.90 bilhões; as ofertas de emprego no setor de tecnologia para informática aumentariam de 71.535 para 107.364, concorrendo, desse modo, para o surgimento de novos 36.000 postos de trabalho. Conclui-se, diante dessa incômoda realidade, que a redução do índice de produtos pirateados no Brasil contribuiria significativamente para o desenvolvimento da economia nacional.
Para tanto, muitas são as frentes em que o governo brasileiro deve ser combativo, inclusive atuando na promoção de campanhas educativas, através das quais seja desenvolvido um trabalho de conscientização da sociedade em relação à generalidade dos danos que da pirataria podem advir. A efetiva proteção à propriedade intelectual é dificultada, portanto, não apenas pela negligência governamental, mas também pelo imediatismo e pela desinformação arraigados na cultura brasileira, no sentido de adquirir inadvertidamente o que for mais barato, ignorando os malefícios que tal postura pode proporcionar à sociedade. Decorrência de uma somatória de fatores de ordem pública, bem como privada, o fato é que a reprodução não autorizada de bens chegou a níveis tão alarmantes que, atualmente, tornou-se comum falar-se na institucionalização da pirataria. Juntamente com outros atos ilícitos, a contrafação está dando forma a um novo setor da economia, que encampa, por sua vez, tudo o que é ilícito.
Convencionou-se chamá-lo de quarto setor, em referência aos três setores da economia formal: o público, o privado, e aquele relativo às ONGs. Os índices comparativos entre os setores mencionados são desalentadores, uma vez que apontam as indústrias do quarto setor como aquelas que mais crescem atualmente na economia.
Diante dessa realidade tão destrutiva, inúmeras áreas da economia brasileira – dentre as quais, aquela que reúne as indústrias de software – privam-se de investir no treinamento e contratação de funcionários, na abertura de novas filiais, na pesquisa para desenvolvimento de novos conceitos, bem como na promoção publicitária de seus produtos, vez que tais investimentos poderão ser débeis quando postos à frente da indústria da pirataria. Por conseguinte, à medida que deixam de investir, as empresas acabam fatalmente por restringir o campo de abrangência de seus consumidores-alvo, sobrevindo, para as mesmas, prejuízos anuais de extrema relevância.
Nota-se, pois, que inúmeras e de diversas naturezas são as medidas a serem implementadas pelo governo brasileiro, a fim de combater o crime de contrafação de software, sob pena de se consolidar a desmoralização do sistema de repressão do Estado, por deixar de cumprir acintosamente latentes disposições legais que ele mesmo criou.
Faz-se necessária a racionalização de uma política antipirataria sólida e impreterivelmente alicerçada no aprimoramento dos sistemas de segurança em portos e aeroportos, na fiscalização policial mais rigorosa nas fronteiras, bem como nas ruas das grandes metrópoles nacionais, no controle da entrada de material de reprodução estrangeiro e, principalmente, no combate direto às quadrilhas e organizações contrafatoras instaladas na fronteira do Brasil com o Paraguai.
Desde logo, é indispensável o reconhecimento pelas autoridades brasileiras de que a proteção à propriedade intelectual, vale dizer, à capacidade inventiva de seus cidadãos, é obrigatória para qualquer nação que se pretenda próspera. Portanto, que seja longo o caminho a ser percorrido para neutralizar a pirataria, mas que o Estado brasileiro comece logo…
André de Almeida Advogado da BSA – Business Software Alliance
Fonte: Almeida Advogados
– André de Almeida