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Artigos 12/12/2023

A posição do acionista minoritário em caso de recuperação judicial ou falência de companhia aberta

Já há alguns anos algumas companhias abertas têm vivido tempos agitados junto ao Poder Judiciário quando o assunto é reestruturação empresarial e, portanto, processo recuperacional! Como foi possível acompanhar, após cinco anos de tentativa de reestruturação, a livraria Saraiva pediu o convolamento de sua recuperação judicial em falência, pedido este deferido pela 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo em outubro/23.

Este novo desdobramento no caso Saraiva (SLED4), disparou gatilho nos acionistas de forma geral, uma vez que passaram por situação semelhante em 2021, com a falência da empresa MMX Sudeste Mineração, bem como reascendeu o sentimento de preocupação, tendo em vista o recente agravamento da crise e recuperação judicial da Americanas (AMER3).

De acordo com levantamento conduzido pela B3, uma das principais empresas de infraestrutura de mercado financeiro no mundo, no início de 2023 eram contabilizadas 17 companhias abertas em recuperação judicial. Neste cenário, torna-se importante entender os possíveis desdobramentos em relação aos valores aportados na empresa por investidores em geral, seja através de debêntures ou ações.

Em rápida explicação, necessário diferenciar as formas de investimento.

As debêntures se tratam de títulos de crédito negociados no mercado de capitais. O investidor ao fazer a compra de uma debênture, empresta, por assim dizer, dinheiro para uma empresa durante determinado tempo. Esse período é negociado entre as partes quando da aquisição, sendo recebido pelo comprador, após este lapso temporal, os juros relativos ao aporte realizado. As debêntures são classificadas como investimento de renda fixa.

Já no que se refere às ações, estas são títulos de propriedade de frações do capital de uma empresa, de modo que quem efetua a compra de ações adquire um pedaço da companhia. Se a empresa na qual o investidor tiver adquirido as ações tiver lucro, suas ações serão valorizadas, e caso haja prejuízos, as ações perderão valor no mercado. Em virtude de sua forma de funcionamento, as ações são consideradas investimentos de renda variável.

Feitas tais distinções, as duas categorias de investidores fica a dúvida do que acontece caso uma companhia aberta na qual empregou seu capital venha a sofrer processo de recuperação judicial ou tenha sua falência efetivamente decretada.

No tocante a recuperação judicial vale destacar que a empresa não deixa de ser listada, sendo que a própria B3 esclarece que embora possa ocorrer uma suspensão temporária das negociações, a única penalização pela bolsa de valores é o fato de que a companhia deixa de fazer parte dos índices da instituição, perdendo credibilidade no mercado, porém as ações seguem podendo ser negociadas.

Embora o maior impacto imediato seja sentido no preço dos papéis que tendem a cair drasticamente, para os debenturistas, há de ser observado as espécies de debêntures detidas segundo a natureza e o grau de garantias que oferecem. Nesse sentido, são classificadas pelo art. 58 da Lei de Sociedades por Ações, em garantia real, garantia flutuante, sem preferência ou quirografária e subordinada. Cada espécie terá uma posição própria no quadro geral de credores, conforme estabelecido na Lei nº 11.101/05.

Já os acionistas em geral não estarão intitulados a compor o quadro geral de credores e por isso o investimento deve ser monitorado com cuidado redobrado, pois embora a mera declaração de recuperação judicial não seja sinônimo de capital investido perdido – até porque o procedimento recuperacional pressupõe a continuidade das operações com a reestruturação de suas dívidas de maneira a preservar o negócio e retomar o valor da empresa-, uma grande desvalorização é esperada.

Situação diversa ocorre quando se verifica a real decretação de falência da companhia na medida em que tal declaração carrega em si a verdadeira inviabilidade de continuação da atividade empresarial, seja por questões financeiras e/ou operacionais.

A confirmação da falência irá culminar na imediata interrupção das negociações das ações na Bolsa de Valores e no descadastramento da empresa perante a B3. Ato contínuo, dá-se início a fase de arrecadação e liquidação dos bens de modo que sejam realizados os pagamentos possíveis dentro da ordem de preferência classificatória imposta por lei.

Uma vez que os acionistas não têm qualquer prioridade no recebimento de créditos e entram no final da lista para quaisquer recebimentos, infelizmente as chances de reaverem qualquer valor pelo capital investido se tornam bastante remotas e, caso ocorram, os valores serão certamente bem inferiores àqueles investidos no momento da aquisição.

Na prática o que ocorre é que o acionista deixa de ser titular de um título de participação e passa a ser mero titular de um crédito sem qualquer preferência.

Em um contexto geral e em qualquer das hipóteses tratadas, o que se verifica é a preferência de recebimento dos debenturistas em face dos acionistas, ainda que se leve em consideração a extrema dificuldade de recebimento por parte de ambos os investidores.

Embora não seja a maior parte, vale pontuar que há exemplos importantes nacionais e internacionais de companhias abertas que conseguiram se reerguer e valorizar seus papéis após tal período, sendo que embora este seja considerado um investimento de alto risco o que se torna absolutamente necessário é uma análise criteriosa da realidade de cada companhia, em especial a plausibilidade, solidez e capacidade da mesma em cumprir seu plano recuperacional.


Este artigo foi escrito pela nossa sócia Andréa Seco, com contribuições da Ana Carolina Laud Nazar, advogada, ambas da área de Contencioso Estratégico. Veja a publicação no Valor Econômico.

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