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Artigos 20/07/2022

Acesso no imóvel de terceiros – direitos e deveres dos superficiários e dos titulares

*Guilherme de Carvalho Doval e Gabriel de Aragão Drumond.

Não é novidade para a economia brasileira que a mineração e sua exportação de commodites é essencial para manter o saldo econômico do país no positivo. No ano de 2021 o faturamento do setor foi de R$339,1 bilhões de reais, além de centenas de bilhões de reais pagos em impostos. Desde a carta constituinte de 1934, todas as substâncias minerais contidas no subsolo foram constituídas como monopólio e patrimônio da União. Para que seja possível realizar a sondagem e extração desses recursos, é comumente permitido, através das concessões para o setor privado, que terceiros façam a pesquisa mineral e exploração da lavra.

Em contrapartida, a União arrecada diversas receitas sobre a comercialização dos minerais como meio de se beneficiar deste processo, por exemplo, a Compensação Financeira pela Exploração Mineral “CFEM”. Atualmente, a administração e fiscalização de todo o processo minerário se dá perante a autarquia federal a Agência Nacional de Mineração “ANM”, recentemente instituida (2018) para substituir o antigo Departamento Nacional de Mineração “DNPM” sob a promessa de trazer inovação, tecnologia e diversas outras melhorias para todo o setor.

É sabido que todas as fases do procedimento minerário, da pesquisa até o fechamento da mina, tem uma vida útil em torno de 50 a 70 anos e todo este processo se inicia com o deferimento de pesquisa de lavra pela ANM ao titular de um direito minerário. Além do grande risco inerente à atividade econômica, um projeto de mineração realizado da maneira correta, seguindo os ditames da lei e preocupado com a sustentabilidade, implicará ao minerador, de maneira direta ou indireta,  a manutenção de um relacionamento com as comunidades em volta do seu empreendimento e também com próprio “superficiário” do imóvel onde está localizado seu projeto, classificação utilizada para se referir aos titulares dos imóveis. Assim, o grande primeiro desafio do minerador pode ser justamente acessar a área da poligonal, local onde irá ocorrer suas atividades, que normalmente se trata de uma área rural há muito tempo usufruída por terceiros.

Como dito, a mineração é estratégica e de interesse da União o seu desenvolvimento e aproveitamento. Portanto, há algumas maneiras previstas na legislação que o titular do direito minerário pode se valer para conseguir o acesso ao respectivo imóvel, sem que prejudique os denominados “superficiários”.

Na maioria das vezes, o superficiário sequer tem conhecimento que seu imóvel está dentro de uma área poligonal autorizada para pesquisa mineral/lavra e, dependendo do local ou tamanho do empreendimento, é possível que seja necessário utilizar os imóveis ao redor daquela poligonal para a implementação do projeto. Desta forma, existem inúmeras maneiras que o titular do direito minerário pode fazer essa primeira abordagem para buscar o seu ingresso no imóvel, devendo sempre traçar a forma mais conciliatória e sustentável possível, tendo sempre em vista que este relacionamento pode perdurar durante toda vida útil da lavra.

Há algumas possibilidades que o relacionamento entre titular do direito minerário e superficiário podem se dar, seja pela via judicial ou extrajudicial. Devemos ter a clara noção que o ingresso do titular no imóvel é imprescindível para a pesquisa e exploração mineral, com prazo previsto em lei para que comece a pesquisa, sob pena de perder o respectivo direito minerário. O Brasil, Canadá, Colômbia, Peru e Africa do Sul são países exemplo de legislações que permitem diferentes maneiras para a negociação do acesso ao imóvel, valendo-se dos institutos: Ocupação Temporária; Servidão Mineral; Desapropriação e; Acordo.

Partindo da solução mais simples entra elas, seria a compra do imóvel do superficiário pelo títular do direito minerário, não deixando margem para uma série de  desavenças que poderiam suceder a partir desse relacionamento. Entretanto, essa opção pode não ser a mais viável, pois nem sempre é possível saber se a pesquisa irá de fato se desenvolver para a fase exploração e aproveitamento minerário, podendo se tornar desinteressante, até mesmo invável sob a ótica econômica ou simplesmente o dono do imóvel é apegado aquele local e não desja realizar a venda.

Uma segunda opção, sendo a mais comum, é firmar um contrato com o superficiário, pagando uma indenização sobre o tempo de utilização de sua terra ou, no caso onde há jazida, o devido pagamento de royalties sobre a receita da venda dos minérios. Os cálculos destas indenizações e também a forma que ela irá acontecer estão dispostas no artigo 27 do Código de Mineração, estabelecendo prazos, requisitos mínimos e o máximos para o pagamento das referidas indenizações.

É importante que o contrato seja robusto e bem desenvolvido, contendo cláusulas prevendo as mais diversas possibilidades que podem insurgir a partir dessa relação, pois será a partir dele que todo o liame será interpretado, dentro ou fora de juízo e também afastando quaisquer possiveis ações de má-fé da outra parte.

Não sendo possível nenhuma solução amigável ou extrajudicial, como última medida, há sempre a opção de recorrer ao judiciário em busca de obter uma decisão favorável para o ingresso no imóvel. Entretanto, é provável que essa opção seja a mais rigorosa e possa acabar comprometendo todo um bom e sustentável relacionamento entre partes.

Não restando opções se não acionando o judiciário, deve-se contar com uma robusta equipe jurídica, isto pois, a probabilidade do processo se tornar muito litigioso e se delongar por anos é alta, prejudicando todo o planejamento do empreendimento. Nesses casos, o momento mais importante para o minerador é buscar a decisão favorável de tutela de urgência, que nada mais é que uma análise feita pelo juiz sobre os fatos, fundamentos e pedidos, concluindo pelo deferimento ou indeferimento do ingresso no imóvel para que seja realizada a respectiva atividade.

É de suma importância ser cauteloso nas ações judiciais pois, apesar de existirem muitos precedentes tanto da ANM quanto pelo próprio poder judiciário, deve-se ter em mente que nem sempre aquele que irá analisar o processo terá a expertise em direito minerário, o que torna as porcentagens de obter uma decisão favorável mais incertas.

Devemos ressaltar que tanto o superficiário quanto o títular do direito minerário possuem direitos e deveres previstos no Código de Mineração, Resoluções da ANM e também no Código Civil, devendo ser cumpridos para que o interesse nacional com a mineração seja plenamente atingido, qual seja, a pesquisa, desenvolvimento e exploração mineral.

É notória a importância de um advogado especializado na área, com experiência para coordenar os processos minerários, conduzir uma primeira abordagem com o superficiário, manter este relacionamento de forma sustentável e construir, junto com seu cliente, toda estrutura jurídica possível para que nada interfira ou afete o empreendimento mineral, garantindo a conciliação entre as partes para que a legislação seja devidamente cumprida. Exaurir o presente tema é difícil, pois há inúmeros imprevistos que podem interferir no processo, a própria regularização fundiária das terras ainda é um grande desafio no Brasil, o que pode modificar a estratégia a ser tomada, devendo cada caso ser analisado para a melhor estratégia de acordo com o objetivo.

O Almeida Advogados conta com um escritório full service e com equipe especializada pronta para auxiliar as empresas no âmbito coorporativo,  inclusive em todas as fases da mineração.

*Guilherme de Carvalho Doval é sócio da área de Mineração do escritório Almeida Advogados; Gabriel de Aragão Drumond é trainee da área de Contencioso Estratégico.

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