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Artigos 09/05/2019

Confiança e equilíbrio valem ouro

Autor André de Almeida

O fenômeno social da confiança é objeto de crescente estudo por parte da sociologia, que inclusive chega a classificar as diversas sociedades de acordo com o nível de confiança existente em cada uma.

As sociedades com alto grau de confiança refletem a adoção, pelos diversos atores sociais, de valores éticos comuns, derivados de um consenso moral que serve de base de sustentação de uma convivência harmoniosa e produtiva.

As sociedades com pouco grau de confiança, por evidente, encontram maior dificuldade na proteção dos direitos de seus membros, na criação de instituições estáveis e efetivas (inclusive econômicas).

Não poderia ser diferente, pois vivemos em sociedades cada vez mais complexas, nas quais a falta de confiança é um impeditivo para o desenvolvimento e aumento da prosperidade. Aliás, é exatamente por esta razão que a existência de altos graus de confiança pode ser considerada um verdadeiro capital social, um verdadeiro ovo de ouro.

A realidade recente do Brasil leva à uma reflexão sobre o o grau de confiança existente entre os brasileiros não sendo necessário sermos sociólogos ou filósofos para chegarmos a conclusões nada animadoras.

A questão da confiança é importantíssima, em particular na atividade econômica e, em especial, no cenário em que investidores confiam seus recursos investindo em sociedades que tem seus papeis negociados no mercado financeiro. Em tais casos, a perda de confiança, catapultada pelo natural efeito manada aplicável aos mercados, espalha-se rapidamente, com resultados econômicos catastróficos.

Tal ocorrência se verificou na Lava Jato, em que a indignação da sociedade contribuiu para a adoção muitas vezes de medidas extremas e alguns excessos que ainda colocam em risco de sobrevivência de diversas sociedades do setor da construção civil no Brasil.

Um equilíbrio é necessário, de forma que, se é plenamente justificada a indignação com a delinquência institucional, seja no campo empresarial, seja no governo, ou em ambos, também é cabível impedirmos que a falta de confiança gerada por tais eventos assuma proporções ainda maiores, se espalhando por setores inteiros da economia.

Somos obrigados a aprender com os nossos erros e acertos e concluir que não devemos, objetivando reconstrução de nossas bases éticas, destruir setores inteiros de nossa economia, uma vez que ambos são bens a serem protegidos.

No caso da responsabilização da Vale S.A., em decorrência da tragédia ocorrida em Brumadinho, as lições da Lava Jato demonstram que não podemos deixar que esta companhia, essencial a um grande número de setores econômicos de importância estratégica, tenha sua existência colocada em xeque.

Que se punam os responsáveis, que se obrigue à empresa a reparar os prejuízos causados, que sejam reforçadas as normas relativas a segurança das barragens, que se aumente a fiscalização, isso não se discute. Mas que também não se prejudique, de forma indevida, os setores econômicos que orbitam em torno das atividades empresariais da Vale S.A., que vão do transporte ferroviário à navegação, passando por aciarias e siderúrgicas, em uma interação complexa essencial à economia nacional e da qual dependem milhões de trabalhadores, direta ou indiretamente.

Enquanto sociedade, nos cabe o discernimento para reconhecer que é exatamente a observância dos padrões éticos, e não o seu menosprezo, o verdadeiro atalho para a prosperidade individual e coletiva.

O mesmo discernimento leva à conclusão de que, na busca de um ambiente empresarial mais ético, não podemos sacrificar setores inteiros da economia, sob o risco de, em busca dos ovos de ouro da confiança e da ética, em evidente paralelo com a sábia lição da fábula de Esopo, matarmos a galinha responsável por nos prover.

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