A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) regulamentou a possibilidade no seu art. 1.061, anteriormente inexistente, dos sócios atribuírem no contrato social a administração da sociedade limitada a administrador não-sócio. Na vigência do diploma legal derrogado, Decreto nº 3.708/19, a condução da administração da sociedade se daria pelo(s) sócio(s), designados como sócios-gerentes ou, se não houvesse designação expressa, por todos os sócios. Nesse contexto, a delegação da gerência e da representação da sociedade a terceiros era admitida, sempre que o contrato social não dispusesse em contrário, caso que ensejaria a responsabilidade pessoal do sócio pelas obrigações contraídas pelo delegado[1]. Os sócios-gerentes eram, assim, responsáveis solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e por atos em violação do contrato ou da lei, não sendo possível a responsabilização de não-sócios[2].
Sabe-se desde outrora que administradores de sociedades limitadas e anônimas, no exercício de sua função, devem observar algumas regras de conduta com vistas a não ferir direitos ou prejudicar a sociedade, seus sócios ou terceiros, por atos que exorbitem a gestão regular, infrinjam a lei, ou violem o contrato ou estatuto social.
A edição do Código Civil, com a referida regulamentação, veio, no entanto, por reavivar as discussões em torno da responsabilização dos administradores de sociedades brasileiras por atos que exorbitem seus poderes outorgados em contrato ou estatuto social, dependendo da forma societária adotada.
De fato, os dispositivos criados pela nova lei impõem, desde então, a responsabilização subjetiva do administrador, ou seja, por atos praticados com culpa ou dolo. Sendo assim, não podem ser responsabilizados os gestores pelas obrigações ordinárias que contraírem em nome da sociedade ou em virtude de atos regulares de gestão[3]. No exercício regular de suas funções, o administrador atua em nome e por conta da sociedade, sendo esta última quem pratica os atos e contrai obrigações.
No entanto, é dever do administrador no exercício de seu cargo empregar o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo emprega na administração de seus próprios negócios (art. 1.011 do Código Civil, e arts. 153 e 155 da Lei das Sociedades Anônimas), respondendo por culpa ou dolo no desempenho de suas funções perante a sociedade e terceiros prejudicados (art. 1.016 do Código Civil, e art.158 da Lei das Sociedades Anônimas).
Como conseqüência da responsabilidade civil pessoal do administrador, seu patrimônio privado responde pela reparação do ato irregular, do ato que violar a lei ou o contrato/estatuto social, que vier a causar prejuízos à sociedade ou a terceiros.
Vale ressaltar, nesse tópico, que ao administrador não poderá ser atribuída responsabilidade por atos ilícitos praticados por outros administradores, exceção feita às hipóteses de conivência e negligência em averiguar os fatos ou impedir a continuidade de atos ilícitos praticados por outros administradores. Nessas hipóteses, para que o administrador se exima da culpa, deve fazer constar em Ata de Reunião da Administração sua divergência, ou dar ciência do fato aos sócios (art. 158, parágrafo 1º, Lei das Sociedades Anônimas).
Serão ainda solidariamente responsáveis os administradores pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles (art. 158, parágrafo 2º, Lei das Sociedades Anônimas). Esta solidariedade não se aplicará aos diretores de companhias abertas, que ficará restrita, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres (art. 158, parágrafo 3º, Lei das Sociedades Anônimas), ressalvado os casos de administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente, deixar de comunicar o fato a assembléia-geral, casos em que tornar-se-á por ele solidariamente responsável (art. 158, parágrafo 4º, Lei das Sociedades Anônimas).
Considerado o acima disposto, ilustramos o presente texto com algumas das hipóteses em que o administrador poderá responder civilmente por seus atos de gestão:
(i) Conflito de interesses
Ao administrador, é vedado tomar parte em quaisquer operações ou deliberações em que possua interesse contrário ao interesse da sociedade (art. 156 da Lei das Sociedades Anônimas). A não observância desta obrigação ensejará a responsabilidade patrimonial do administrador.
(ii) Uso indevido da razão social
O administrador terá o dever de restituir ou pagar o equivalente à sociedade dos bens ou créditos que aplicar em proveito próprio ou de terceiros, além de arcar com os prejuízos que causar, sem o consentimento por escrito dos sócios (art. 154, parágrafo 2º, Lei das Sociedades Anônimas).
(iii) Desvio de finalidade e confusão patrimonial
Na ocorrência de desvio de finalidade da sociedade, ou seja, perseguição de fins estranhos ao objeto social ou confusão patrimonial, caracterizada pela utilização de bens ou direitos da sociedade em benefício próprio, a sociedade poderá ter sua personalidade jurídica desconsiderada. Isto implica em estender os efeitos de certas obrigações aos bens particulares dos sócios e dos administradores (art. 50 do Código Civil e art. 158, II, da Lei das Sociedades Anônimas).
(iv) Atos culposos e dolosos
Os danos causados pelo administrador com culpa no desempenho de suas funções acarretarão a responsabilidade do administrador perante a sociedade e perante terceiros, conforme dispõe o art. 158, inciso I, Lei das Sociedades Anônimas.
A culpa é caracterizada pela imprudência, imperícia ou negligência no exercício de suas funções. O dolo, por seu turno, é caracterizado pela intenção do administrador em promover o ato danoso ou em assumir o risco de produzi-lo.
(v) Distribuição de lucros ilícitos ou fictícios.
O administrador é pessoalmente responsável perante a sociedade pela distribuição de lucros ilícitos ou fictícios que realizar, sujeitando-se ao ressarcimento dos lucros distribuídos e dos prejuízos causados à sociedade (art. 1009 do Código Civil e art. 201, parágrafo 1º e 2º). Os sócios que conhecerem ou deverem conhecer a irregularidade responderão pela restituição dos dividendos. A má-fé quando ao recebimento de dividendos resta presumida quando estes forem distribuídos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os seus resultados.
Para o administrador se eximir da culpa e evitar que decisões tomadas com boa-fé acarretem a responsabilização, deve demonstrar rigorosa diligência na avaliação dos ativos e passivos da sociedade, observando os critérios legais assim como os métodos e critérios adotados pelas associações profissionais e órgãos governamentais.
(vi) Demora na averbação do instrumento de nomeação
É dever do administrador nomeado em instrumento diferente do contrato social que promova o devido registro do ato, em dez dias, no Registro do Comércio, conforme dispõe o art. 1062 do Código Civil.
Caso demore, o administrador responderá solidariamente com a sociedade pelos atos que praticar antes do instrumento de nomeação ser averbado.
A pretensão de ressarcimento por danos da sociedade contra o administrador prescreve em três anos, relativamente a atos que violarem a lei ou o contrato, contado a partir da apresentação aos sócios do balanço referente ao exercício em que a violação tenha ocorrido ou da reunião ou assembléia em que se deu conhecimento (art. 206, parágrafo 3º, VII, alínea ‘b’, do Código Civil). Em relação à terceiros prejudicados, o prazo de prescrição é de dez anos.
Nesse sentido, veja-se acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça:
“REsp 179008/SP – RECURSO ESPECIAL 1998/0045457-8 SOCIEDADE ANÔNIMA. RESPONSABILIDADE DO ADMINISTRADOR. PRESCRIÇÃO.
Nos termos da regra contida no art. 287, III, “b”, “2”, da Lei nº 6.404/76, a prescrição para o acionista apurar a responsabilidade do administrador de sociedade anônima ocorre em 3 (três) anos, sendo o seu termo inicial a data da publicação da ata que aprovar o balanço. Pelas peculiaridades da espécie, o hoje acionista minoritário é carente para propor ação referente a exercício ainda não prescrito (1993) pois ele, na época, detinha a maioria das ações e aprovara, sem ressalvas e sem protestos, todos os balanços e as demonstrações financeiras da companhia. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.”
O término da gestão do administrador ocorre com a renúncia, destituição ou pelo término do prazo, se não houver recondução. Para que a cessação do exercício do cargo de administrador seja oponível perante terceiros, é necessário que o ato de destituição seja averbado dentro de dez dias no Registro de Comércio (art. 1.063, parágrafo 3º do Código Civil). Em relação à sociedade, a renúncia do administrador torna-se eficaz desde o conhecimento da sociedade da comunicação por escrito da renúncia.
Por fim, a responsabilidade por atos regulares de administração praticados no exercício da função só termina com a aprovação das contas do administrador pela assembléia geral, conforme dispõe o art. 1.071, I do Código Civil.
Seguro de responsabilidade civil profissional
No Brasil, estão disponíveis no mercado seguros de responsabilidade civil profissional para várias modalidades de atividades, entre elas, seguros específicos para administradores. São os chamados seguros D&O, para “Directors & Officers”.
Os seguros de D&O garantem uma espécie de “blindagem” para o patrimônio de membros de alta administração de companhias (diretores, membros de conselho, gerentes) perante ações e processos judiciais movidos por acionistas e/ou terceiros contra tais administradores.
A mudança da legislação, como acima reportado, e a aplicação de fato dos termos da lei, traduzida em um crescente numero de ações ajuizadas contra companhias por atos de má administração de seus representantes tem diretamente causado impacto no mercado brasileiro de seguros de D&º De fato, e segundo dados estatísticos da Superintendência de Seguros Privados, a SUSEP, o seguro de D&O apresentou um crescimento de 12,3% no ano de 2005.
Para que a seguradora possa determinar se o seguro é viável e o prêmio, é necessário preencher um formulário para a análise do risco. Porém, é possível calcular por alto um prêmio de 1 a 3% do valor da importância segurada.
——————————————————————————- – [1] Carvalhosa, Modesto. Comentários ao Código Civil: Parte Especial: Do Direito de Empresa – Vol. 13. Saraiva, 2003, pag. 102.
[2] Idem, ibidem.
[3] Campinho, Sérgio. O Direito de Empresa – À Luz do Novo Código Civil. 2ª Edição. Revonar, 2003.
Fonte: Almeida Advogados