No dia 26 de junho de 2020 o Conselho da União Europeia publicou a Diretiva 2020/876/UE, a qual, em face da pandemia de COVID-19, permitiu que os Estados-Membros adotem as medidas necessárias à prorrogação do prazo para que os denominados intermediários e contribuintes relevantes apresentem informações sobre mecanismos transfronteiriços qualificados para essa obrigação e cujo primeiro passo de aplicação tenha sido realizado entre a data de entrada em vigor e a data de aplicação da diretiva. Em linhas gerais, tal prazo, antes previsto para 31 de agosto de 2020, poderá ser estendido pelos Estados-Membros até 28 de fevereiro de 2021.
Resumidamente, trata-se de mais uma emenda à Diretiva 2011/16/EU, também conhecida por DAC6, a qual resulta diretamente dos trabalhos conduzidos pela OCDE no projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) – mais especificamente no que se refere à sua Ação nº 12. Esta Ação trouxe recomendações para a elaboração de regras de revelação obrigatória de planejamentos tributários agressivos à administração tributária (mandatory disclosure rules), levando em consideração os custos administrativos e de compliance, assim como a experiência de países que implementaram regras semelhantes – tudo isto com o intuito de facilitar a identificação desses planejamentos pelos Estados.
Segundo a atual redação do DAC6, a obrigação de comunicar os planejamentos em questão recai, em regra, sobre os intermediários envolvidos nas estruturas ou negócios jurídicos, conceito este que abrange qualquer pessoa que conceba, comercialize, organize, disponibilize para aplicação ou administre a aplicação de um planejamento tributário transfronteiriço no âmbito da União Europeia.
Importante destacar que, ainda nos termos da atual redação do DAC6, essa obrigação se estende a todos os quais saibam ou que se possa esperar saber que se comprometeram a participar de forma direta ou indireta na assistência ou aconselhamento quanto à todas as etapas do mecanismo transfronteiriço que deve ser reportado.
Logo, são diretamente alcançados pela Diretiva em comento profissionais internos ou externos, consultores, auditores, advogados, contadores, assessores financeiros, dentre outros que participem da estruturação e aplicação do planejamento. Se tal recomendação não estiver alinhada com deveres de sigilo profissional ou encontrar outros impedimentos na legislação interna dos Estados-Membros, a Diretiva ainda sugere que os responsáveis por prestar essas informações sejam os contribuintes relevantes – pessoas para quem foram disponibilizados, estejam sendo preparados ou até mesmo que já tenham adotado os primeiros passos do planejamento tributário a ser comunicado.
Vale ressaltar, apenas são considerados intermediários obrigados a reportar os planejamentos em questão aqueles que possuem algum vínculo com a União Européia – residentes, prestadores com estabelecimento nos Estados-Membros, ou ainda, aqueles que estejam sujeitos à legislação ou registrados junto a algum desses Estados.
Ademais, em sentido distante da experiência brasileira com a Medida Provisória nº 685/15, a atual redação do DAC6 não busca alcançar quaisquer planejamentos tributários, mas sim estruturas ou negócios jurídicos transnacionais agressivos – limitando-se àqueles que contenham ao menos uma das denominadas características-chave indicadas no Anexo IV da referida Diretiva, que são elementos os quais, ao menos em tese, indicariam um potencial risco de evasão fiscal.
Dentre essas características-chave, estão hipóteses mais genéricas como a existência de cláusulas de confidencialidade que impeçam a revelação a terceiros ou às autoridades fiscais sobre de que modo o mecanismo poderia assegurar uma vantagem fiscal; medidas artificiosas de utilização de perdas para reduzir os seus encargos fiscais; ou, também, a existência de cláusulas de honorários em que intermediários têm direito a receber sua remuneração por referência à vantagem fiscal apurada, por exemplo.
Também existem características-chave específicas sobre a transnacionalidade que merecem atenção.
Finalmente, é importante ressaltar que os Estados-Membros da União Europeia, quando da instituição dessas regras, vêm prevendo multas bastante pesadas em face do descumprimento da regra de revelação automática desses planejamentos tributários transnacionais agressivos. Em adição, a depender da legislação interna de cada Estado-Membro e do compartilhamento dessas informações entre esses Estados, as informações prestadas poderão esbarrar em matérias penais, servindo como uma verdadeira delação aos Estados-Membros que gozam de um sistema de intercâmbio automático de informações.
Diante desse cenário, e em que pese a normativa seja voltada a intermediários e contribuintes na União Europeia, é recomendável que as empresas brasileiras, que mantenham parte de sua estrutura na Europa ou realizem negócios com empresas ou cidadãos europeus busquem refletir sobre o seu enquadramento nessas regras e identifiquem o enquadramento de suas estruturas ou operações diante do quadro normativo de cada Estado-Membro.
A diversidade de intermediários reforça a necessidade de que os contribuintes que possam ser afetados pela regra de revelação obrigatória do DAC6 alinhem essas informações de forma bastante detalhada.
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O escritório Almeida Advogados conta com uma equipe especializada em Direito Tributário, colocando-se à disposição para sanar quaisquer dúvidas relativas ao tema debatido neste artigo.
Escrito por: Rodolfo Elias Brazil e Laura Prado Zimmermann