No Século XV, Johannes Gutenberg notabilizou-se pela criação da prensa móvel, que permitiu a aceleração da reprodução do conhecimento. O primeiro livro impresso foi a Bíblia, que até então era manuscrita à mão em mosteiros medievais.
A consequente aceleração dos meios de acesso e disseminação da informação foi essencial ao desenvolvimento ocorrido durante a Idade Moderna, criando as bases da vida contemporânea, na qual mergulhamos coletivamente na chamada Sociedade da Informação, em particular após a criação da Internet.
Pela primeira vez na história humana quebrou-se um paradigma e a informação, antes um recurso escasso, passou a ser cada vez mais abundante, para não dizermos ilimitada.
Infelizmente, a capacidade humana de lidar com esta nova realidade não tem acompanhado o desenvolvimento tecnológico que presenciamos e, paradoxalmente, em meio à abundância de informações, enfrentamos privações insólitas e singulares.
Diante de um banquete de dados, nos deparamos com a fome de sentido, a privação da confiança e o fastio pela verdade.
É certo que as tecnologias disruptivas nos levam a cenários inusitados. mas nossa inabilidade coletiva de lidar com a abundância de informação tem criado situações absurdas, que potencializam muito a exacerbação de nossos instintos mais primitivos e deletérios, fazendo importantes vítimas.
A primeira delas é a verdade, pois a despeito da possibilidade de obtermos informações confiáveis e precisas, a mentira, a inexatidão e a falsidade encontraram nova sobrevida por meio do fenômeno das fake news.
A segunda, foi a humildade, uma vez que uma breve pesquisa nas redes sociais denota que o mundo está atualmente repleto especialistas completos e interdisciplinares (muitos dos quais, para a nossa surpresa, são nossos parentes, amigos e conhecidos), que se manifestam de maneira autoritária, incisiva e categórica sobre inúmeras questões de alta complexidade. São os experts do Facebook, os sábios do Whatsapp ou mesmo oráculos do Instagram, com uma desenvoltura invejável e arrogância exacerbada, apresentam soluções imediatas sobre questões tão diversas como a eficiência da hidroxicloroquina no tratamento da COVID-19, os limites ao ativismo judiciário na ordem constitucional ou mesmo as consequências da globalização para o desequilíbrio do meio ambiente, entre outras (inúmeras outras).
A terceira foi o senso de moderação, que se esvaí na exata proporção em que presidentes fazem a diplomacia via Twitter, que a imprensa ignora os fatos para veicular versões, desorientando ao invés de esclarecer, ou que grupos de interesse se aproveitam da cacofonia geral para, em silêncio, avançar agendas inaceitáveis.
A quarta foi a intelectualidade, uma vez que os verdadeiros especialistas são ignorados, enquanto digital influencers, no mais das vezes sem qualquer conteúdo são exaltados, num ambiente em que a repetição imoderada de banalidades e obviedades e vulgaridades se tornaram uma forma de arte, quando não uma profissão.
A quinta foi a profundidade, limitada não apenas pelo número restrito de caracteres em cada mensagem, mas pela abominável tendência de que a maioria consiga, pelo simples fato de constituir uma massa crítica que sustente tendências, ainda que deletérias, nivelar por baixo, e de forma cada vez mais rasa, a discussão de quaisquer questões relevantes.
A sexta foi a democracia, uma vez que não é de se estranhar que tal estado de coisas tenha estimulado a criação de lideranças irresponsáveis e despreparadas, tanto no governo quanto na sociedade civil, interessadas em utilizar como meio de dominação e controle a mesma informação que, por sua natureza, deveria ser um instrumento de progressiva emancipação.
A lista de vítimas poderia prosseguir, tendendo ao infinito, a medida em que coletivamente tropeçamos no excesso de informação, sem conseguir transformá-la em efetivo conhecimento e, menos ainda, em sabedoria. Sabedoria essa que é mais uma vítima de nossa época, demonstrando que, na ordem das coisas, as versões não se sobrepõem aos fatos, que a arrogância não substitui o conhecimento, que a superficialidade é impotente diante da complexidade dos problemas do mundo contemporâneo, e que a moderação constituí virtude essencial para a convivência pacífica e democrática.
Escrito por: André de Almeida