Autores:
Gustavo Henrique de Faria Passarelli – ghfaria@almeidalaw.com.br
Gisela Romancini Ribeiro – grribeiro@almeidalaw.com.br
Diante da imposição de multa ao consumidor pelo atraso no pagamento compras feitas em ambiente virtual, sem, contudo, haver previsão de penalidade à empresa comerciante para o atraso na entrega dos produtos vendidos, o Ministério Público de São Paulo ajuizou Ação Civil Pública em face da comerciante online Kalunga Comércio e Indústria Gráfica Ltda., sob o argumento de que a ausência de uma cláusula penal que pune a empresa diante de seu inadimplemento contratual prejudica o consumidor e fere o princípio da reciprocidade contratual.
A referida ação foi julgada improcedente pelo magistrado de primeira instância, mas em sede recursal, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) entendeu por dar parcial provimento ao Recurso de Apelação para condenar a comerciante a estabelecer, em todas as suas vendas, multa moratória de 2% para os casos de atraso na entrega ou na restituição do valor pago, caso o consumidor exerça seu direito de arrependimento.
A demanda subiu, então, para o Superior Tribunal de Justiça, por meio do Recurso Especial de n. 1.412.993/SP, formulado pela empresa Kalunga, o qual foi acertadamente provido pela Quarta Turma para reformar a decisão proferida pelo TJSP e julgar improcedente o pedido inicial formulado pelo Ministério Público.
Isso porque, conforme muito bem exposto pela Ministra Maria Isabel Gallotti, prolatora do voto de vista seguido pela maioria dos julgadores presentes na sessão, a penalidade aplicada ao consumidor no caso de atraso no pagamento da compra online somente existe nos casos de compra feita por meio de cartão de crédito e não é imposta pela empresa comerciante, mas sim pela instituição bancária à qual se vincula o cartão utilizado pelo consumidor.
Logo, uma vez que o contrato de cartão de crédito firmado entre o consumidor e a instituição bancária não guarda nenhuma relação com as compras feitas no ambiente virtual da comerciante, não subsiste razão para a aplicação de penalidade em eventual atraso na entrega ou na restituição de valores.
Entendemos que o raciocínio desenvolvido pela ilustre Ministra Maria Isabel Gallotti está completamente correto, à medida que se a multa pelo atraso no pagamento não é aplicada diretamente pela empresa comerciante, não existe violação ao princípio da reciprocidade contratual, argumento sustentado pelo Ministério Público.
Na verdade, quando realizada uma compra por meio de cartão de crédito, o valor daquele pedido passa a ser devido não à empresa comerciante, mas sim à instituição bancária, que assume, neste momento, uma posição de mediadora da venda.
Assim, uma vez que o consumidor atrasa o pagamento da fatura de seu cartão de crédito, a instituição bancária, real credora da quantia, aplica-lhe a multa estabelecida no contrato firmado diretamente com o consumidor, contrato este que não conta com a participação da comerciante online. Como se vê, a comerciante não é de forma alguma beneficiada com a imposição desta multa, já que nenhum valor desta penalidade lhe é repassado.
Além disso, também merece destaque o fato de não ser o cartão de crédito a única forma de pagamento à disposição do consumidor. O cartão é apenas um facilitador da venda, inclusive em benefício do consumidor, que pode parcelar o valor de sua compra. No entanto, a fim de evitar a incidência da multa aplicada pela instituição financeira, o consumidor pode realizar a compra por meio de boleto bancário, cujo atraso no pagamento não gera penalidades, mas apenas cancela automaticamente o pedido feito junto à comerciante.
O Almeida Advogados conta com equipe especializada em Direito Civil e das Relações de Consumo, com ampla experiência na defesa dos interesses de seus clientes nas esferas judicial e administrativa, colocando-se à disposição para prestar todo e qualquer esclarecimento a respeito do tema abordado no presente artigo que se faça necessário.