Momentos de adversidade trazem consigo importantes consequências. A realidade se impõe e a verdade salta aos olhos, tornando irrelevantes quaisquer discussões ideológicas, pois contra os fatos, simplesmente não há argumentos. Não podemos desperdiçar uma crise para rever nossos valores.
Tais provações desencadeiam reações extremadas, para o bem e para o mal, e a crise torna mais agudo, a um tempo, aquilo que há de melhor e pior nos indivíduos, famílias, comunidades e países. Todos, no âmbito individual e coletivo, devem escolher o caminho a seguir, diante de circunstâncias que abalam nossas ideias básicas sobre a realidade.
Os exemplos são surpreendentes e a volatilidade e ineditismo da situação tornam quaisquer atitudes potencialmente perigosas, com consequências patéticas ou dramáticas.
Há os que tentam capitalizar diante da tragédia, dentre os quais políticos populistas e irresponsáveis que minimizaram o impacto da pandemia, para diante dos fatos, recuarem estarrecidos. Não há outra explicação que não a incompetência das autoridades públicas em todos os níveis, para que Nova York, centro econômico global, tenha se tornado o novo epicentro mundial de novos casos de COVID-19, vários meses após informações sobre a doença e sua forma de transmissão terem sido descobertas.
Instituições arduamente construídas ao longo de décadas, em um átimo, viram pó.
Como compreender o fato de que a União Europeia tenha abandonado a Itália à própria sorte, tendo mesmo a Áustria e a Eslovênia fechado suas fronteiras, unilateralmente, no pior momento da crise? A ideologia comunitária foi paralisada pelo medo, colocando em xeque o maior movimento de integração da história e a real existência de irmandade entre os cidadãos europeus (a China, claro, não perdeu tempo em prestar a ajuda necessária, com indisfarçáveis interesses geopolíticos).
Como deixar de ignorar o fato de o mundo ser hoje governado por meros burocratas ou loucos? Como não deixar de sentir falta de Estadistas?
Mas o melhor que há em nós também veio à tona como espelham os esforços heroicos dos profissionais de saúde, que arriscam (e, muitas vezes, efetivamente perdem) suas vidas na tentativa de salvar os mais frágeis, e a busca desesperada por soluções pela comunidade científica internacional, unida em um esforço de cooperação sem precedentes, possibilitado pelas novas tecnologias disponíveis.
Do ponto de vista econômico, muitos dos pilares que sustentavam a economia globalizada, guiada primordialmente pela mão invisível do mercado, conforme o conceito de Adam Smith, desaparecem diante dos nossos olhos, incapazes de solucionarem uma crise para qual, por sua natureza, não foram concebidos para resolver.
As cadeias produtivas globais correm o risco de colapsar, a depender da duração dos efeitos da pandemia, e as oportunidades de eficiência econômica oportunizadas pela internacionalização dos negócios transmutam-se, subitamente, em risco para os interesses nacionais e mesmo particulares.
Ao invés da mão invisível do mercado, indivíduos e empresas em busca de meios de sobrevivência se voltam para a mão visível do Estado, normalmente tão criticado em períodos de bonança, mas que se torna agora uma espécie de garantidor universal.
Muito embora as soluções não sejam simples, é essencial repensarmos nossas premissas sobre a relação entre o público e o privado e entre os interesses particulares e coletivos.
Se de um lado o respeito à livre concorrência e a eficiência econômica são incapazes de resolver esta crise, per se, também é certo que ensejaram os inegáveis benefícios econômicos que permitiram concretizar a existência das ferramentas que nos permitirão melhor enfrentá-la, dentre as quais o enorme desenvolvimento técnico-científico.
Por outro lado, a doença, que em grande parte nos iguala, torna evidente que a pujança econômica de alguns não altera a verdade básica de que uma sociedade é tão forte, coletivamente, quando forem o elo mais fraco de sua corrente.
Os paradoxos são complexos e aparentemente insolúveis.
Como aceitar como natural que o país com a economia mais desenvolvida do mundo não tenha sequer um sistema de saúde que garanta direitos mínimos aos seus cidadãos? E como superar o fato de que um país, como o Brasil, que os garante, constitucionalmente, não tenha capacidade econômica e política de efetivá-los?
Como reconhecer, sem assombro, que as mesmas liberdades que garantem a democracias as tornem particularmente vulneráveis, enquanto os regimes autoritários, exatamente pela sofisticação de seu controle a sobre a população, parecem oferece uma aparente vantagem no controle deste tipo de calamidade? É fato que a China parece ter controlado o número de contaminados, exatamente no mesmo momento que a situação foge de controle nos países mais desenvolvidos do ocidente.
Mas a adversidade também nos iguala na oportunidade de aprendermos com nossas experiências e creditamos, firmemente, que as presentes dificuldades serão superadas e que um novo ciclo de oportunidades surgirá aos que forem suficientemente hábeis para persistirem na adversidade.
É indispensável, entretanto, que não percamos esta oportunidade única de reavaliarmos o mundo aonde vivemos, aonde andado e aonde realmente queremos chegar. Quando muito do que nos é familiar e reconfortante rapidamente desaparesse diante dos nossos olhos, encarar a verdade de frente sempre é a melhor solução.
Escrito por André de Almeida