Ser acionista no Brasil, como diz o título é um desafio que, comparável a uma atividade esportiva de grande intensidade requer esforço, resiliência, e, cada vez mais, capacidade e liderança e coragem para o embate.
As dificuldades são tantas, que não tem restado aos acionistas (em particular os minoritários), assumirem uma postura cada vez mais ativista na luta por seus direitos, a exemplo do que ocorre em jurisdições mais desenvolvidas.
Trata-se de um fenômeno altamente positivo, pois o ativismo societário tem se mostrado como uma força evolutiva que termina por beneficiar a saúde do mercado de capitais como um todo, além de estimular, por parte das companhias, maior transparência e adesão às boas práticas de governança corporativa.
Atualmente é o centro das atenções o caso dos acionistas da Oi S.A., indignados por se encontrarem reféns de uma situação tão absurda que seria, em condições normais, rechaçada como uma inverossímil comédia de erros societária.
O problema enfrentado, entretanto, é real, ameaçando à própria sobrevivência da companhia, que atualmente encontra-se em processo de recuperação judicial, ensejando riscos à interrupção dos serviços e prejuízos incalculáveis a todos os seus investidores, colaboradores e clientes.
Os fatos são de conhecimento público e, conforme informações amplamente divulgadas pela mídia, infelizmente incluem suspeitas de graves irregularidades cometidas em detrimento dos acionistas, inclusive o suposto desvio de vultosos valores para o financiamento de campanhas eleitorais, dentre outras, objeto de investigação pelas autoridades competentes.
Também não é mais possível tentar tapar o sol com a peneira e ignorar falta de profissionalismo na gestão dos negócios da companhia que, inacreditavelmente, foi obrigada a admitir a existência de um rombo de 6.3 bilhões em sua contabilidade, relativos a depósitos judiciais sobre os quais não tinha qualquer controle, denotando a total ausência de informações financeiras confiáveis.
A resistência da atual Diretoria em tomar medidas efetivas e apropriadas para a solução de tais desafios é fator que dificulta ainda mais sua recuperação, tendo levado a companhia a maior crise de sua história.
Dentro deste quadro desolador, chega a ser acintoso o Plano de Recuperação Judicial imposto unilateralmente pela atual Diretoria, por ser absolutamente ilegítimo, inapropriado e imoral.
Ilegítimo porque tem como premissa a prerrogativa, por parte dos membros da Diretoria de se manterem eu seus cargos, além de além limitar injustificadamente sua responsabilização, o que denota que foi concebido por um grupo que aparenta estar focado na obtenção de vantagens imediatas e sem real preocupação com a viabilidade da atuação da companhia em longo prazo.
Inapropriado, porque ruinoso e desvinculado de qualquer projeto consistente de reestruturação ou da correção dos problemas básicos que a afligem a companhia, limitando-se a propor, como solução para todos os males – muitos dos quais tem cunho de cunho legal, ético e administrativo – um bilionário aporte de capital.
Imoral, por sua vez, porque mencionado aumento de capital implica na injustificada diluição da participação dos atuais acionistas, por meio da determinação arbitraria de preços de emissão diversos, em injustificado privilégio a credores oportunistas e investidores especulativos, não refletindo a necessária proporcionalidade nos sacrifícios exigidos dos diversos interessados.
Trata-se de um posicionamento evidentemente lesivo a atual base acionária, que já demonstrou seu interesse em investir na companhia no longo prazo que denota um descompromisso quanto aos deveres fiduciários dos administradores.
Caberia, em tais casos, ao Poder Judiciário corrigir tal situação. Entretanto, com a devida vênia, contatamos que nosso sistema legal não está suficientemente amadurecido e muitos de nossos magistrados não estão ainda preparados para lidar com questões corporativas de tal complexidade.
No caso da Oi S.A., por exemplo, por exemplo, o Plano de Recuperação aprovado no início deste ano, contém uma série características, até o momento chanceladas pelo pela Justiça, que entendemos constituem evidentes ilegalidades.
Com efeito, os dispositivos da Lei de Recuperação Judicial (Lei 11.101/05) não se sobrepõem as leis societárias e devem ser aplicados de forma a respeitá-las, sem inviabilizar os princípios básicos de governança corporativa nela insculpidos, sob o risco de exacerbar os problemas da empresa cuja recuperação se objetiva.
O Plano de Recuperação Judicial da Oi S.A., por sua vez, além dos problemas acima expostos, viola uma série de dispositivos da Lei das S.A. (Lei 6.404/76), ao prever aumentos de capital fora do limite do capital autorizado e sem a aprovação pela assembleia geral de acionistas (ignorando a vontade dos mesmos). Ilegal também é, conforme nosso entendimento, a completa desvirtuação do sistema de governança corporativa da companhia e o estatuto, concentrando todos os poderes na mão do Diretor Presidente durante o período de recuperação, tornando meramente figurativos o Conselho de Administração e da Assembleia de Acionistas (aliás, o único órgão com competência para alterar as disposições estatutárias).
A solução, como se vem observando com cada vez mais frequência no Brasil, está na mão dos acionistas que, assumindo uma postura mais ativa, começam a reagir, adotando as medidas necessárias para que tal situação absurda seja corrigida, e ainda esperam uma resposta a altura por parte do Poder Judiciário (e possivelmente dos árbitros, considerando a existência de clausula compromissória no estatuto da companhia).
Felizmente, a indignação levou também à adoção de outros atos concretos por parte dos acionistas, dentre as quais a iniciativa de um acordo de leniência pela Oi S.A., de forma a limitar os riscos existentes e sanear suas atividades.
Também está sendo seriamente considerada a possibilidade de recorrer ao Poder Judiciário Norte-Americano, ajuizando ação coletiva na qual se pleiteia a indenização por conta da queda no valor das ações em decorrência de infrações cometidas na condução da empresa (vale lembrar que esta foi a mesma estratégia utilizada, com sucesso, pelos acionistas da Petrobras).
As recentes evoluções ocorridas no país contra a corrupção denotam uma tendência irreversível, em todos os quadrantes, inclusive o corporativo, na direção da confiança, transparência e legalidade, de forma que a sobrevivência da Oi S.A. depende, mais do que nunca, da disposição de reconhecer seus erros, corrigi-los, e iniciar uma nova fase. Os acionistas e credores, bem como os milhões de usuários que dependem dos serviços da Oi S.A. precisam de uma solução a altura da magnitude e importância dos serviços que lhe foram confiados.
Trata-se de mais um capítulo que se encaixa no contesto mais amplo da luta pelo respeito dos direitos dos acionistas no mercado de capitais brasileiro, acompanhando atentamente por todos aqueles que se interessam em acelerar nossa evolução nesta área.
Em verdade, ser acionista no Brasil é um esporte para os fortes.
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André de Almeida, sócio de Almeida Advogados. Ex Presidente da Federação Interamericana de Advogados.