Ao longo dos anos, a arbitragem deixou de ser apenas um método alternativo de soluções de conflitos, mas traduziu-se em verdadeira realidade das sociedades comerciais brasileiras, trazendo enormes benefícios como a celeridade, o sigilo e a discrição, mas também revelando questões que demandam competências e análises alheias aos processos judiciais tradicionais. Uma das questões mais delicadas e decisivas para as partes ocorre justamente no início da arbitragem: a nomeação dos árbitros. Isso porque, a eles, os litigantes confiam a solução do caso de modo justo e isonômico, de modo que a confiança tornou-se um dos princípios basilares para que a arbitragem corra em sua melhor forma, objetivando o desfecho de um conflito de forma específica e célere.
Para além da confiança que as partes devem ter junto aos árbitros escolhidos, a Lei Brasileira de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) determina que estes devem pautar seus comportamentos na imparcialidade e na independência (Art 13, § 6º). Significa dizer, respectivamente, que os árbitros não devem ter interesse direto na solução do conflito, bem como estar ausente qualquer tipo de vínculo entre esses e as partes. Tais condições para o bom funcionamento do procedimento arbitral são analisadas individualmente, sendo que a primeira leva em consideração aspectos subjetivos, enquanto a segunda, aspectos objetivos. Por óbvio, a imparcialidade está relacionada a critérios de difícil aferição, os quais devem ser examinadas casuisticamente.
Foi com a finalidade essencial de facilitar esse processo investigativo que a Lei de Arbitragem impôs àqueles indicadas ao cargo do árbitro o dever de revelar, antes da investidura, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. A isso, deu-se o nome de dever de revelação, sendo certo que é proibida qualquer retenção ou omissão de informações que podem ser relevantes ao processo de escolha e nomeação dos árbitros. Como regra geral, no aspecto prático, esse instituto é exercido mediante o preenchimento de questionários que abrangem eventuais conflitos de interesses, além da assinatura de um termo de independência, o qual deverá ser assinado imediatamente após a aceitação da função de arbiter. Contudo, prezando sempre pela absoluta transparência, nada obsta que violações a imparcialidade e independência possam ser apontadas ao longo do procedimento, se constatado qualquer fato novo no curso da arbitragem.
A importância do dever de revelação é portanto vital à arbitragem, de modo que eventual descumprimento poderá levar a(s) parte(s) a ajuizar Ação Declaratória de Nulidade de Sentença Arbitral, o que foi recentemente observado na prática a partir de julgamento ocorrido no último dia 11 de agosto de 2020 da 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo[1], oportunidade em que o Desembargador Relator Fortes Barbosa votou pela nulidade de sentença arbitral exarada em arbitragem regida pela Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), alegando ter havido grave falha ética pelo árbitro presidente do Tribunal Arbitral em questão, à vista de sua nomeação como árbitro em outro procedimento arbitral com questões semelhantes ao então tratado pelas partes – o que não teria sido divulgado em nenhum momento.
A partir dessas situações, o Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime e em importante decisão para modular o padrão de conduta esperado para os próximos anos, aduziu pela quebra de confiança caracterizadora de suspeição, o que ressalta o desrespeito ao dever de revelação, ensejando o reconhecimento de nulidade do laudo arbitral.
Vê-se, portanto, que a decisão do judiciário paulista mostra-se como importante precedente relacionado à matéria não apenas por resolver delicada situação concreta, mas principalmente por revelar-se fonte inspiradora para modelar futuros deveres de revelação, os quais, como já destacado e reconhecido pela recente decisão, precisam ser tempestivos, completos e transparentes.
Com efeito, aos árbitros são cabíveis as hipóteses de impedimento e suspeição descritas no Código de Processo Civil, todavia, é de se ressaltar que espera-se do árbitro maior debruçamento sobre o tema, não devendo contentar-se com o mero cumprimento das formalidades processuais típicas dos juízes togados. Como exemplo, pode-se mencionar a situação em que ocorram reiteradas indicações de determinado árbitro por um mesmo escritório de advocacia, o que pode ser entendido como hipótese de suspeição, contudo, sem estar descrito por lei.
Tendo em vista tais lacunas legais e visando padronizar os deveres de revelação, a comunidade arbitral criou algumas diretrizes internacionais a serem utilizadas em procedimentos arbitrais[1]. Através dessas guidelines, situações não-taxativas foram agrupadas e relacionadas em três diferentes Listas de Aplicação: verde, laranja e vermelha, sendo que apenas nesta última são expostas situações que devem obrigatoriamente ser reveladas às partes, sob pena de possibilidade do laudo arbitral ser declarado nulo.
A nomeação do árbitro, portanto, é pedra angular na arbitragem como um todo, de modo que além dos critérios relacionados à expertise e disponibilidade, a indicação do arbiter deve também considerar sua imparcialidade e independência para que o procedimento possa surtir efeitos positivos. Para tanto, o Almeida Advogados conta com profissionais especializados e dispostos a contribuir com a análise de todas as circunstâncias legais, técnicas ou procedimentais, adstritas à arbitragem, almejando a solução justa, equânime e célere do litígio.
[1] Nos autos da Apelação Cível nº 1056400-47.2019.8.26.0100.
[1] A elas deu-se o nome de International Bar Association (IBA) Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration (em português, “Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional”).
Interest in International Arbitration (em português, “Diretrizes da IBA relativas a Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional”).
Escrito por:
André de Almeida
Eduardo Machado Tortorella
Júlia Molnar Terenna