Artigo escrito por nosso CEO e Founding Partner, André de Almeida.
O mundo atravessa uma era de incerteza profunda. As placas tectônicas da geopolítica internacional se movem em direções contraditórias, alternando entre cooperação e isolamento, diálogo e confronto. Em meio a esse tiro, o Brasil se vê novamente diante da oportunidade — e da responsabilidade — de encontrar o seu lugar. Mas, diferentemente de outras potências, nosso país não pode se deixar arrastar pelos extremos de uma política externa tendenciosa. O Brasil precisa ser, antes de tudo, a voz da neutralidade, a voz da paz.
No artigo “A polarização e as borboletas”, explorei a ideia de que a radicalização política, dentro e fora do Brasil, funciona como um delicado efeito borboleta: pequenos gestos ou palavras inflamadas podem se desdobrar em grandes fraturas sociais. Já em “As chances do Brasil no mundo pós-Trump”, argumentei que o país detém condições privilegiadas para ocupar um espaço de destaque na nova ordem internacional, justamente por não carregar os mesmos fardos geopolíticos de outras potências.
Agora, ao unir essas duas reflexões, percebe-se que os dilemas internos e externos do Brasil estão interligados. A polarização doméstica ecoa em nossas escolhas de política externa; e um alinhamento automático a este ou àquele bloco global, por sua vez, reverbera de volta em nossa democracia, contaminando o ambiente político interno. O desafio, portanto, é resistir tanto à divisão interna quanto às tentações externas de tomar partido.
É nesse ponto que a neutralidade se impõe como virtude. O Brasil tem sido historicamente reconhecido como construtor de consensos. Desde as negociações de paz após a II Guerra Mundial, passando pelo Cone Sul até a sua atuação em fóruns multilaterais, nosso país sempre exerceu um papel singular: não de potência militar, mas de potência moral. E essa vocação não deve ser desperdiçada.
Manter uma geopolítica neutra não significa abdicar de interesses nacionais. Ao contrário: significa fortalecê-los. O país que se deixa instrumentalizar por disputas alheias perde autonomia; o país que fala com todos, e que escuta a todos, multiplica sua relevância. A neutralidade inteligente é, portanto, a forma mais sólida de exercer soberania.
Em um momento em que os Estados Unidos buscam recompor lideranças, a China amplia sua influência e a Europa tenta reencontrar sua identidade, o Brasil deve resistir à tentação de tomar partido. Precisamos afirmar o óbvio: não somos nem extensão de Washington, nem apêndice de Pequim, nem filial de Bruxelas. Somos uma nação com agenda própria, baseada em desenvolvimento sustentável, agronegócio, justiça social e diplomacia construtiva. Essa é a única forma de transformar nossa vulnerabilidade em força e nossa periferia em centralidade.
Do ponto de vista jurídico, a neutralidade brasileira se ancora nos princípios constitucionais que regem nossas relações internacionais: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, não intervenção e cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Esses não são apenas ideais abstratos: são compromissos jurídicos e políticos que definem o modo como o Brasil deve se relacionar com o mundo. Qualquer desvio ideológico que nos afaste desse eixo fragiliza não só nossa posição externa, mas também a legitimidade interna da política externa.
Por isso, cabe ao Brasil recusar a sedução dos extremos. Recusar as fotos pitorescas. Não devemos ser a trincheira de um bloco nem o satélite de outro. Devemos ser a voz que insiste no diálogo, que oferece a mediação, que preserva pontes quando todos querem destruí-las. Devemos ser o espaço onde a diplomacia ainda encontra fôlego.
Se o bater de asas de uma borboleta pode mudar o destino de um continente, que o bater das asas do Brasil — com equilíbrio, neutralidade e coragem pacífica — seja capaz de alterar o rumo das relações internacionais. Pois, ao contrário de outros, não precisamos escolher entre potência bélica e irrelevância. Nosso destino pode ser outro: ser o país que transforma a neutralidade em influência, e a paz em legado.